Ainda criança, George Carlin e a mãe saíram de casa para fugir do pai, um violento abusador. Foram parar em Catskills, perto de Nova York, região conhecida por abrigar judeus no pós-guerra e como berço da comédia stand-up. O local, onde as ideias corriam soltas e não havia temas proibidos, era o paraíso para para o garoto cheio de opiniões, mas disciplinado pela rígida educação católica. Mais tarde, enfrentou outro tipo de autoridade quando se alistou na Força Aérea. A felicidade só veio quando se tornou apresentador de rádio, atividade que lhe permitia dizer (quase) tudo o que pensava.

Produzido por Judd Apatow, o documentário Sonho Americano (HBO Max) revela por que Carlin é considerado uma espécie de “Beatles” do humor. A metáfora não significa apenas que seu talento era muito acima da média, mas que, como o quarteto de Liverpool, foi um artista que passou por diversas fases sem perder a personalidade e a relevância. Aprenceu a se reinventar quando era necessário e adequou o discurso à realidade social e política ao longo de 50 anos de carreira. Carlin é considerado por estrelas do naipe de Jerry Seinfeld e Chris Rock como o maior comediante de todos os tempos, mas a verdade é que sua forma de pensar e sua verborrágica produção literária provam que ele está mais para um filósofo moderno que para um humorista. O que o novo filme revela, também, é sua importância como porta-voz da liberdade de expressão. Desde os primeiros shows, desafiou incansavelmente governos, religiões e outros setores poderosos da sociedade com críticas ácidas e desconcertantes.

Filme explica o episódio que o levou à prisão e como o seu caso chegou à Suprema Corte dos EUA

Carlin coleciona números impressionantes. Enquanto há comediantes que se esforçam para filmar um único especial para a TV, ele realizou 14 especiais apenas para a HBO. Somou mais de 130 participações como convidado do Tonight Show, um dos principais talk-shows americanos. Foi o primeiro apresentador do Saturday Night Live, programa que alçou à fama astros como Will Ferrell, Tina fey, Eddie Murphy e Bill Murray, entre outros. Quatro dias antes de morrer, em 22 de junho de 2008, aos 71 anos, foi homenageado com o Mark Twain Prize for American Humor, o maior prêmio concedido a um profissional da comédia.

Apesar de todo o reconhecimento, o maior motivo de orgulho foi o seu texto mais famoso, o esquete Sete Palavras Sujas, de 1978. Ao incluir os termos em sua apresentação, foi preso por violar leis de obscenidade. Carlin brigou pelo direito de se expressar livremente e o caso foi parar na Suprema Corte dos EUA. Os juízes consideraram que sua linguagem era “indecente, mas não obscena”. Ao se pronunciarem sobre o mérito, os magistrados foram obrigados a incluir as sete palavras na sentença – mais uma irônica vitória para o rei da liberdade de expressão.