As prósperas regiões do norte da Itália, Lombardia e Vêneto, vão organizar em 22 de outubro um referendo para pedir maior autonomia ao governo central de Roma.
Entenda esta consulta, que ocorre em meio à crise na Espanha pelo referendo de autodeterminação da Catalunha.
– Em que consiste o referendo –
Este voto consultivo é organizado por iniciativa dos presidentes das regiões da Lombardia, Roberto Maroni, e Veneto, Luca Zaia, ambos membros do partido de extrema-direita Liga do Norte.
Os habitantes devem dizer sim ou não a “formas adicionais e condições particulares de autonomia” para ambas as regiões.
Ao contrário do que acontece na Catalunha, o referendo respeita a Constituição italiana, que prevê a possibilidade de o Parlamento atribuir essas formas de autonomia às regiões que as solicitem, explica à AFP Nicola Lupo, professor de direito constitucional na Universidade Luiss de Roma.
– O que querem as duas regiões –
Em caso de vitória do sim, Maroni e Zaia exigirão mais competências nas áreas de infraestruturas, saúde ou educação, bem como certos poderes reservados ao Estado, como decisões sobre segurança e imigração, que são questões-chave para a Liga do Norte, mas que iriam requerer alteração da Constituição.
Seu objetivo também é obter mais recursos, recuperando cerca de metade de seu saldo fiscal, diferença entre o que as províncias coletam em impostos e o que recebem do orçamento público.
Isso apresenta um déficit de 54 bilhões de euros para a Lombardia e cerca de 15 bilhões para Veneto.
– Por que querem mais autonomia –
O Veneto (cinco milhões de habitantes) e a Lombardia (10 milhões) estão entre as regiões mais ricas da Itália e, em conjunto, representam 30% do PIB nacional.
O endividamento per capita é baixo: 73 euros para a Lombardia, 219 euros para o Veneto, em comparação com 407 euros para a média nacional.
O mesmo vale para o “custo para o Estado” de cada habitante: 2.447 euros na Lombardia e 2.853 no Veneto, bem abaixo da média italiana de 3.658 euros.
Para Maroni e Zaia, suas regiões devem ser recompensadas por suas contribuições econômicas.
De acordo com Lupo, o referendo é celebrado num contexto de tradicional fratura Norte/Sul com a ideia de que Roma é um lugar de poder corrupto e centralizador.
Lombardia e Veneto “são regiões vizinhas com um estatuto especial, que já gozam de maior autonomia financeira como Trentino-Alto Adige”, acrescenta Lupo.
– O sim venceria –
As pesquisas dão uma clara vantagem ao sim. “Aqueles que vão votar provavelmente votarão sim, especialmente considerando que a questão é bastante consensual”, diz o professor.
As dúvidas residem na participação. Em Veneto deve superar os 50% para que o referendo seja válido. E na Lombardia, embora não haja quórum, “se a participação for inferior a 40%, a questão provavelmente não passará de uma leve agitada nos livros de história”, de acordo com Lorenzo Codogno, especialista na LC Macro Advisors.
A consulta convocada pela Liga do Norte também tem o apoio do partido de centro-direita Forza Italia de Silvio Berlusconi, do populista Movimento Cinco Estrelas, de organizações patronais e de vários sindicatos.
Algumas formações de esquerda, como o Partido Comunista, denunciam um “desperdício de dinheiro público” para “um referendo que é uma farsa”.
O Partido Democrático italiano, de centro-esquerda, não orientou seus eleitores, mas alguns de seus líderes, como o prefeito de Milão, disseram que votariam sim.
– Um primeiro passo para a independência –
Maroni não parou de repetir que o referendo será organizado “no marco da unidade nacional” e que pretendia “reformar as relações entre o governo central e os governos regionais”, com o sonho de uma “Europa das regiões”.
A Liga do Norte parece ter esquecido os anseios separatistas de seus primeiros anos (1996-2000) e tem seu orientado na defensa de políticas contrárias ao euro e à imigração, seguindo o modelo da Frente Nacional francesa.
Para Zaia, o fato de se buscar um paralelo com a Catalunha é uma tentativa “enganosa” de tentar desencorajar o voto no sim.
“As semelhanças com a Catalunha são mínimas, o sentimento de independência não está muito presente” nas duas regiões, garante Lupo.