Na introdução de Nós, Mulheres, a escritora espanhola Rosa Montero traz uma citação do revolucionário marxista Friedrich Engels, para quem “a subordinação da mulher se originou ao mesmo tempo que a propriedade privada e a família, quando os seres humanos deixaram de ser nômades e se assentaram em povoações agricultoras”. O homem, dizia Engels, precisava assegurar filhos próprios a quem transmitir suas posses, daí que passasse a controlar a mulher.

“Esse receio do poder das mulheres é perceptível já nos mitos inaugurais de nossa cultura, nos relatos da criação do mundo que, por um lado, se esforçam para definir o papel subsidiário das fêmeas, mas, ao mesmo tempo, nos conferem uma capacidade de causar prejuízo muito acima de nossa posição secundária”, observa ela que, na continuação da entrevista, fala sobre Nobel e Papa Francisco.

Dentre as mulheres biografadas por você, é possível destacar a que mais sofreu com a falta de reconhecimento dos homens? E há alguma que, se assim podemos dizer, sofreu menos?

Hahaha, nãããão, impossível, isso não é comparável ou mensurável. E também são muitos os casos em que as mulheres conseguiram se destacar e ser reconhecidas apesar de tudo, com um enorme esforço e talento, mas o problema é que mais tarde, após a morte, foram apagadas da história, dos anais, da memória coletiva, e suas descobertas ou realizações foram frequentemente atribuídas mais tarde a maridos, pais, irmãos ou colegas. É algo que se repete constantemente ao longo da história e que continua a acontecer até certo ponto. O sucesso é muito mais fácil para os homens ainda hoje.

Em que ponto da história o feminismo levou a mulher a compreender seu valor?

Não há momento específico, não há revelação, é uma longa história de demandas absolutamente essenciais e óbvias. Por exemplo, no século 12, houve um movimento poderoso para reivindicar o papel das mulheres, embora mais tarde tenha sido suprimido. No século 15, a causa renasceu com grande força e com pioneiras feministas como a italiana Cristina de Pisano. O século 18 foi outro momento de avanço e pressão; o movimento sufragista do final do século 19 e início do 20 ajudou muito e assim por diante, até hoje. É uma luta antiga.

Certamente foi decisivo, mas qual foi a real importância do Prêmio Nobel deste ano, que destacou a importância das mulheres na ciência?

É simplesmente um passo no caminho para a normalização. O normal é que existam tantas mulheres quanto homens na ciência ou em qualquer área, e o normal será chegar em um momento em que isso não nos surpreenda nem um pouco.

Escrever é uma maneira mais fácil de aprender?

Escrever é um caminho de conhecimento, sem dúvida. Escrever é uma forma de pensar e você não escreve para ensinar nada, mas para aprender. Mas o fácil, certamente, não é imediato.

Você acredita que a atual onda de progressiva desconstrução do sexismo trará conquistas permanentes?

A história nos ensina que não há nada permanente no mundo, que as civilizações passam e caem, que as conquistas se perdem e o conhecimento é esquecido. Você deve estar sempre em guarda para defender os valores que lhe parecem justos. Mas é verdade que é mais difícil reprimir e estupidificar com preconceitos aquelas pessoas que souberam desenvolver mais seu pensamento e estão bem informadas.

Governos conservadores (como o de Donald Trump e Jair Bolsonaro) contribuem para a manutenção de conceitos discutíveis, como o aborto, por exemplo. Como atitudes que vão contra a história moderna tornam difícil para as mulheres conquistarem mais direitos?

Esses tipos de governo não são apenas machos, mas também abusivos em outras questões. Uma filósofa argelina me disse, há alguns anos, que a causa das mulheres é o barômetro mais preciso do nível democrático de um país, e ela estava absolutamente certa. Acredito que seja possível saber como é o desenvolvimento democrático de uma sociedade analisando a situação de suas mulheres. O sexismo é sempre acompanhado por outros abusos sociais.

Por outro lado, o fato de o Papa Francisco ter apoiado as uniões civis entre homossexuais significa que a Igreja também poderia mudar seu conceito em relação às mulheres?

Olha, eu acho ótimo que o Papa finalmente apoie os homossexuais (já estava na hora), mas acho que ainda falta muito para a Igreja perder seu viés machista. O preconceito contra as mulheres é muito mais profundo que o preconceito homofóbico.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.