O recado da urna

Coluna: Carlos José Marques

Carlos José Marques é diretor editorial da Editora Três

O recado da urna

Nilson Cardoso
CAOS E MORTE Em vez de proteger a população, Bolsonaro fomenta o medo e o descrédito na ciência e transforma a vacina em arma política Foto: Nilson Cardoso

O que salta aos olhos nessa primeira eleição convulsionada e esvaziada pela Covid é a fragorosa derrota do bolsonarismo, em toda a sua falta de esplendor, na prática e nas urnas. O presidente, em que pese o engajamento, com lives mequetrefes diárias para, como cabo eleitoral, promover os preferidos, conseguiu na verdade secar as chances de cada um deles junto ao eleitorado – quase como um espectro tóxico.

Seu ponta-de-lança em São Paulo, promotor recorrente de fake news, tal qual o padrinho, virou suco. Derreteu, minguou e aí não vai novidade na habitual trajetória do cavalo paraguaio. No Rio, o encrencado e encalacrado Crivella, em que pese os confetes, festas, rapapés e sessões de descarrego de Messias, definitivamente não será reeleito e só não foi pior em meio ao quadro porque, vislumbrando o elenco, é de chorar a tuna de adversários cariocas – mesmo aquele que se projetou na frente, Eduardo Paes, com um plantel de investigações de amedrontar malfeitor líder de quadrilha.

Na maioria das capitais, os candidatos bolsonaristas malemal não passaram de meros coadjuvantes. No Recife, a delegada Patrícia Domingos ia bem nas pesquisas até que a benção do “mito” a condenou ao ocaso. Depois de uma estreia fulminante, nem chegou às cabeças. O triunvirato João Campos, Marília Arraes (os dois do clã do icônico ex-governador local Miguel Arraes) além do ex-ministro Mendonça Filho, protagonizaram a disputa.

Em Minas, novo fracasso do capitão. Bruno Engler vai amargando um apagado quarto lugar com minguados 4% da preferência. Em Manaus, Coronel Menezes ficou na rabeira, em oitavo lugar. O fato é que o presidente sem partido provocou uma diluição desanimadora de sua onda de extremismo de direita. Se há um grande perdedor, ao menos nesse primeiro e prévio escrutínio de 2022, é ele mesmo. Uma derrota acachapante, pode ser vista assim, para quem se autoproclamava o novo salvador da Nação.

Os fracassos em cascata ameaçam deixar o presidente sem palanques firmes para o seu próprio referendo nas urnas, mais adiante. Conseguirá Bolsonaro reagrupar as forças até lá? Medida e composta por qual viés e grupo de sustentação? Militares já o veem com desconfiança. O Centrão venal espera ser regiamente pago e, na hora “H”, é tecnicamente pragmático, indo se enfronhar com vencedores para manter a boquinha.

Nas legendas tradicionais constituídas o cálculo sobre eventual apoio a Bolsonaro messiânico ainda soa como incógnita. O passe do mandatário está desvalorizado, chamuscado pelos revezes. Quem procurou a sua benção, passou vergonha. Apareceu ao seu lado, tomou um bolo daqueles! Lições eloquentes tiraram os políticos daí. Fica cada vez mais claro que a rejeição ao nome ombreia, no mínimo, com a decantada popularidade entre seguidores e fiéis.

Além do fiasco latente, Messias sem partido, ficou, por assim dizer, ainda mais refém da máquina centrista de triturar reputações. Só Auxílio Emergencial e muita obra eleitoreira aos amigos/aliados para salvar os providenciais votos de cabresto. Para além disso, importante realçar e registrar o avanço significativo do voto jovem na esquerda trazendo para o centro do tabuleiro figuras de um radicalismo extremo na outra ponta, como Guilherme Boulos, em São Paulo, e Marília Arraes, em Recife.

No Rio, a soma dos votos nos candidatos de esquerda bate fragorosamente a Crivella e ele só conseguiu algum respiro, sem chances, dada essa diluição. Vamos assistindo a uma modificação significativa no tabuleiro, não necessariamente para melhor, mas com agudos indicadores de uma insatisfação premente com o atual status quo.