Entre os resultados pífios da gestão Paulo Guedes para a economia, poucos chamam tanto a atenção como a depreciação cambial. Para o consumidor brasileiro, a desvalorização do real e a alta do dólar trouxeram um cenário de preços muito mais caros, substituição de produtos e cortes nas despesas. O cenário, é claro, também afetou o comércio, os serviços e a indústria que depende de insumos do exterior — das fábricas de computadores e automóveis aos produtores de alimentos.

Em 3 de janeiro de 2020, um dólar valia R$ 4,02. No último dia 20, era negociado a R$ 5,55 — uma desvalorização de 37,4% no período. Entre as moedas dos países emergentes, apenas o peso argentino no câmbio oficial teve desvalorização maior, de 51,02% — e a Argentina está em moratória. O real teve desempenho pior até do que a lira turca, que tombou 23% frente ao dólar. E essa queda chega ao bolso do brasileiro, pois impacta toda a cadeia de suprimentos, incluindo os combustíveis, que ficam mais caros. “Os preços subiram muito: carne, arroz, feijão e óleo”, diz a cabeleireira Eliete Matos, que vive no centro de São Paulo. “Passei a comprar marcas diferentes de outros produtos, mais em conta”, diz. Itens importados, como azeite de oliva, bacalhau, salmão e vinhos, subiram pelo menos 15% no varejo.

O executivo de uma grande montadora diz que a desvalorização do real teve impacto nos negócios, gerando “uma inflação de custos”. Segundo ele, as 15 montadoras que têm fábricas no Brasil importam entre 5% e 40% dos insumos. “O poder de compra das famílias da classe média sofreu um forte impacto”, diz o empresário Diogo Rodrigues, da YES Intercâmbio. A empresa de Curitiba, especializada em convênios de intercâmbio universitário e pós-graduação no exterior, ampliou parcerias com universidades canadenses, embora tenha mantido programas com universidades americanas em menor escala.

O consumidor foi afetado não apenas pela desvalorização do real, mas também por outro efeito, este mundial, que derivou da pandemia: o aumento dos preços dos produtos em dólares, dos microchips aos alimentos. “Isso aconteceu porque houve um aumento na demanda por bens no mundo inteiro. Afinal, as pessoas ficam mais em casa e precisam repor os produtos e estoques,” diz Lívio Ribeiro, economista e pesquisador da área de Economia Aplicada do IBRE-FGV. Segundo ele, quando ocorrer a “normalização sanitária”, haverá o aumento nos preços dos serviços — mas esta é uma etapa posterior, que não aconteceu ainda nem nos EUA e Europa. “Nos países mais desenvolvidos, a normalização deverá ocorrer até o final do ano. Já no Brasil, o cenário é imprevisível”, afirma.

GOURMET CARO Importados, principalmente europeus, subiram 15% no varejo (Crédito:FILIPE ARAUJO)
“O dólar canadense está mais barato do que o americano, por isto mudamos a destinação dos nossos estudantes dos EUA para o Canadá” Diogo Rodrigues, executivo-chefe da Yes Intercâmbio (Crédito:Divulgação)

Queda histórica

Ribeiro diz que o “valor justo” do real brasileiro, atualmente, seria de R$ 4,26 por dólar. “A cotação da moeda, pelo câmbio justo ou estrutural, deveria ser este”, indica. O especialista afirma que em 2020 o real enfrentou o maior desalinhamento cambial da sua história, desde que o câmbio passou a ser flutuante, no ano 2000. “O maior desalinhamento anterior foi com a eleição de Lula, no último trimestre de 2002”, diz. Segundo ele, nessa desvalorização a moeda brasileira levou três anos para voltar ao equilíbrio. Em 2021, não existe previsão de quando isto ocorrerá. O diagnóstico dele é comum à maioria dos economistas. A partir do 2o semestre de 2020, o Brasil atravessou uma conjunção de fatores negativos que abalaram o câmbio: gestão errada da pandemia, intervenção nas estatais, problemas no meio ambiente e deterioração fiscal. Infelizmente, todos os fatores ainda estarão presentes em 2021 e em 2022, quando haverá eleições presidenciais. Tudo indica que o brasileiro terá que conviver com o dólar acima de R$ 5 por um bom tempo.

MERCOSUL
Até os vinhos importados do Chile e Argentina estão mais caros (Crédito:FILIPE ARAUJO)