Livros, filmes, podcasts, perfis em redes sociais e até stand-up comedy tentam mostrar a dura realidade e as delícias da maternidade."Olhe no espelho e se despeça de você!". Foi esse o conselho que a jornalista e escritora Manuela D'Ávila, de 43 anos, ouviu de seu médico ao descobrir que estava grávida de Laura, hoje com nove anos. "O que eu gostaria que me dissessem e disseram foi que a maternidade seria uma mudança radical", afirma. "Meu médico alertou: 'Olhe no espelho e se despeça de você!'. Fiz isso. Me preparei [para ser mãe] e acho que tenho me saído bem", avalia.
A escritora e roteirista Tati Bernardi, de 46, não teve a mesma sorte. O que ela gostaria que tivessem dito e não disseram? Bem, que existe depressão na gravidez. "Não tive no pós-parto, mas tive uma horrível na gestação", recorda a mãe de Rita, de sete anos.
"Os hormônios me deixaram maluca. Me sentia uma sociopata por não estar feliz". Mesmo assim, a conclusão a que Tati chegou é parecida com a de Manuela: você deixa de ser a pessoa mais importante do mundo quando engravida. "Não me amo nem metade do que amo minha filha", declara-se Tati.
Manuela D'Ávila e Tati Bernardi decidiram compartilhar com outras mães as dores e as delícias da maternidade. A primeira escreveu um livro: Revolução Laura – Reflexões Sobre Maternidade & Resistência. A segunda criou um podcast: Calcinha Larga, apresentado ao lado de Camila Fremder e Helen Ramos.
Não faltam projetos do tipo. Desde filmes, como A Melhor Mãe do Mundo, de Anna Muylaert, que estreia 1º de junho, até stand-ups, como Da Mama ao Caos!, de Ana Carolina Sauwen, em cartaz no Rio de Janeiro até 28 de maio.
Maternidade sem tabu
Quem arrisca uma explicação para o grande número de iniciativas que se debruçam sobre a maternidade é a jornalista Leonor Macedo, de 42 anos. Ela é mãe do Lucas, de 23 anos, e autora do livro Eneaotil – Mãe É Pra Quem a Gente Pode Contar Tudo Mas Não Conta Nada. "Você já foi em reunião de pais e professores em escola infantil? Então, é insuportável! Todo mundo quer falar hoooras sobre o filho. Escrevi um livro para evitar ser essa mãe. Quem quiser que leia!", cai na risada. "Brincadeiras à parte, acabou sendo uma válvula de escape na minha vida".
Leonor conta que foi mãe muito jovem. Quando Lucas nasceu, tinha acabado de completar 19 anos. "A maternidade não é algo que escolhi, planejei ou quis. Aconteceu. Foi assustador!", confessa. Hoje, procura conversar abertamente com o filho: se ele tem sonhos, a paternidade pode obrigá-lo a adiar esses sonhos. Mais do que isso. Pode obrigá-lo a dormir mal ou pouco à noite ou, ainda, a trabalhar em dobro para pagar as contas.
Maiores temores
Por essas e outras, a atriz Shirley Cruz, de 49 anos, optou por ser mãe mais tarde. Antes de engravidar de Mali, hoje com quase três anos, atuou em filmes e séries. No momento, conta as horas para a estreia de A Melhor Mãe do Mundo, de Anna Muylaert.
No longa, que foi destaque na edição deste ano do Festival de Cinema de Berlim, ela interpreta Gal, uma catadora de material reciclável que foge do marido abusivo. Mãe de duas crianças, Gal transforma a fuga em aventura. "Mãe, a gente vai dormir na rua?", pergunta Rihanna, assustada. "Não, filha, a gente vai acampar na rua!", improvisa Gal, para alegria de Benin.
Shirley é casada com o norueguês Martin Tonholt, que conheceu no Rio de Janeiro em 2014. Além de atriz, é apresentadora da websérie Diário de Uma Mãe na Noruega, que fala, entre outros assuntos, de parto humanizado e licença-maternidade. "Ser mãe na Noruega é muito diferente de ser mãe no Brasil", garante a atriz e apresentadora. "Do que mais tenho medo? Da violência de gênero. Os números no Brasil são assustadores!".
Shirley Cruz não é a única. Manuela D'Ávila admite que o seu primeiro 8 de março, Dia Internacional da Mulher, com Laura ainda criança foi desesperador. Vítima de violência de gênero na política, a ex-candidata a presidente da República em 2018 diz pensar muito em como criar uma filha em um país que odeia tanto as mulheres. Só em 2024, o Brasil registrou 1.450 casos de feminicídio. "Me dei conta de que ela seria uma das pessoas que viveriam a realidade que eu denuncio", afirma D'Ávila.
São muitos os temores enfrentados pelas mães. E não importa se elas são, como dizem por aí, "marinheiras de primeira viagem". A jornalista Juliana Tiraboschi, de 43 anos, é mãe de gêmeos: Francisco e Manuela, de 11. Idealizadora do podcast É A Mãe!, ao lado de Bárbara dos Anjos Lima e Camila Borowsky, conta que, em casa, procura dar uma educação não machista aos filhos.
Entre outras lições, ensina Francisco a respeitar as mulheres e Manuela a ser o que ela quiser. "Se nos deparamos com alguma situação machista em livros, filmes ou séries, sentamos para conversar e tiramos dúvidas. Não fugimos de perguntas difíceis", garante.
"O que não te disseram antes de você ser mãe?"
O que ela gostaria que tivessem dito sobre maternidade e não disseram? Bem, que não há manual, fórmula ou receita. "No início, ficamos inseguras. Não sabemos se o bebê mamou o suficiente, se está dormindo direito ou por que está chorando. Cada um fala uma coisa diferente", queixa-se. Na dúvida, ela chegou a ler o livro A Encantadora de Bebês, da escritora britânica Tracy Hogg. Deu certo? "Não, fiz tudo diferente", ri.
O que não tem graça, pondera a jornalista, é a romantização da maternidade. "A maternidade é tão romantizada que, ainda hoje, causa espanto quando uma mulher diz que não quer ser mãe. Em 2025, esse tipo de escolha deveria ser respeitada".
Parentalidades plurais e preconceito
A escritora Marcela Tiboni, de 42 anos, e a arquiteta Melanie Graille, de 35, tiveram a mesma ideia de Juliana: comprar um livro que, no caso delas, falasse sobre a gestação de um casal de mulheres lésbicas. Em 2017, as duas foram a uma livraria em São Paulo e descobriram que esse livro não existia. No mesmo dia, Marcela sentou-se ao computador e começou a rascunhar as primeiras linhas de sua história de amor com Mel. Em duzentas e poucas páginas, relatou também as descobertas que fizeram sobre fertilização in vitro.
Foi assim que, em outubro de 2018, nasceram os gêmeos Bernardo e Iolanda, hoje com seis anos. E, em junho de 2019, Mama – Um Relato de Maternidade Homoafetiva. "As duas gestações duraram nove meses", brinca a escritora. "Mel gerou o Bê e a Ioiô e eu, o Mama. Quando ele nasceu, trouxe luz para muitas parentalidades pelo Brasil afora".
De lá para cá, Marcela publicou mais dois títulos: Maternidades no Plural: Retratos de Diferentes Formas de Maternar e Desmama: Memórias de Uma Mãe Com Outra Mãe. O quarto está a caminho.
Contando assim, até parece que a maternidade de Marcela e Melanie não teve perrengues. Teve sim, e muitos! Os primeiros ainda no hospital. Para começo de conversa, a diretora proibiu Marcela de amamentar os filhos no recinto hospitalar. Alegou que as crianças já tinham mãe e não precisavam de outra para amamentá-los. Graças à equipe médica, o impasse foi solucionado e Marcela conseguiu amamentar seus bebês.
Pouco tempo depois, um funcionário do hospital precisava preencher a Declaração de Nascido Vivo (DNV) e perguntou ao casal quem era a mãe e o pai das crianças. Por mais que elas tentassem explicar que Bernardo e Iolanda tinham duas mães e nenhum pai, o rapaz argumentou que o documento do Ministério da Saúde (MS) não poderia ser rasurado. Dessa vez, não houve jeito: a batalha foi perdida. "Houve dores, algumas delas bem latentes, mas houve delícias também", avalia Marcela. "Eu diria que são seis anos de delícias diárias. O convívio, aliás, é tão delicioso que a gente está pensando em ter um terceiro filho".
Mães à beira de um ataque de… risos
Transformar apuros em piadas não é fácil. Mas a jornalista Paola Guaraná, de 36 anos, e a atriz Ana Carolina Sauwen, de 40, tentam. A primeira é autora do livro Eu Era Uma Mãe Perfeita… Até Me Tornar Uma e, ao lado de Rúbia Baricelli, apresentadora do podcast A Mãe Tá Off.
"Só consigo ficar off quando gravo o programa. Mesmo assim, se for da escola, paro tudo e atendo a ligação", diverte-se a mãe de Mateus, Lucas e Júlia, de oito, cinco e três anos. "Depois que me tornei mãe, não consigo mais ficar desconectada. De vez em quando, até terceirizo as crianças, mas a antena não desliga nunca".
A segunda é autora do stand-up Da Mama ao Caos e idealizadora da oficina de palhaçaria Juntas! "Tive meu filho no meio da pandemia. Consegue imaginar o que é ficar 12 horas em trabalho de parto usando máscara? Foi traumatizante!", reclama a mãe do Vicente, de quatro anos. "Demorei a fazer humor de situações doloridas, como o puerpério, ou solitárias, como a quarentena. Quando ouço a plateia rindo, penso: 'Ufa, passou!'".
A atriz e apresentadora Maíra Azevedo é mãe de dois: Aladê Koman, de 16 anos, e Ayanna Luiza, de quatro. Aos 44 anos, ela acaba de lançar o livro A Menina que Não Sabia que Era Bonita, escrito para a criança que ela foi um dia. Certa ocasião, brincando com a caçula, Maíra disse: "Filha, você é linda!". A menina respondeu: "Eu sei".
Foi quando Maíra se deu conta: quem não tinha consciência de sua beleza era ela; não a filha. "Não sabia que era bonita porque nunca tinha ouvido que era bonita", confessa. "Hoje, digo aos meus filhos: nunca duvidem da beleza ou da inteligência de vocês. São capazes de ocupar o espaço que quiserem".
O que ela gostaria de ter ouvido sobre maternidade e nunca ouviu? Que você só aprende a ser mãe depois que dá à luz – e que isso não muda quando os filhos ficam maiores, o aprendizado é diário e constante. "Nenhuma mulher sabe o que é ser mãe até exercer a maternidade. Uma nunca é igual à outra", avisa.