Costuma ser consenso entre autoridades, sociedade e instituições públicas que o Brasil não cuida bem de sua cultura nem de sua história. É a pura verdade. O incêndio que devastou o Museu Nacional em setembro de 2018 é uma prova desse comportamento desleixado. O incidente reduziu a cinzas os mais de 200 anos de história da instituição, que ainda caminha lentamente rumo a sua reabertura. Na semana passada, começaram algumas obras. O museu ganhou uma cobertura temporária azul de material metálico e houve a liberação de cerca de R$ 900 mil do Ministério da Educação (MEC) para reconstrução da fachada. Mas a burocracia ainda atravanca sua reconstrução. Embora existam outros recursos anunciados, não há prazo para que esse dinheiro seja liberado e aplicado.

RECUPERAÇÃO O Museu Nacional afirma ter recuperado 200 das 700 peças da coleção egípcia (Crédito:Lucas Dumphreys)

Há, por exemplo, R$ 55 milhões destinados ao museu por uma emenda parlamentar dos deputados do Estado do Rio de Janeiro – que no momento viraram R$ 41,3 milhões devido ao contingenciamento de gastos que deve ser cumprido mediante a lei de responsabilidade fiscal e a lei de diretrizes orçamentárias. A emenda foi aprovada em outubro do ano passado, mas até agora o dinheiro não foi liberado porque é necessária a aprovação do plano de trabalho enviado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), entidade que administra o museu. Não se sabe quando a aprovação acontecerá. Há outros recursos empenhados para a restauração do museu, como cerca de R$ 16 milhões do MEC. Parte desse valor, que ja foi liberado, será utilizada em parceria com a UNESCO, que se comprometeu com os projetos de reconstrução do palácio.

Entre indecisões e atrasos, o diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner, traça o plano de abrir a primeira sala do museu para visitação daqui a três anos, mas, para isso, a reconstrução precisa começar ainda em 2019. “Se não começarmos esse ano, é porque alguém errou. Precisamos do MEC e da UNESCO para que isso dê certo”, avalia. Para Kellner, a demora na disponibilização das verbas já era esperada. Ele confia no esforço de cooperação internacional como o melhor caminho para a reconstrução do museu. “No nosso caso isso é necessário porque é uma instituição que transcende as fronteiras do País, é um museu mundial”, diz. Para ele, é importante que o maior número de parceiros estejam envolvidos no processo de reconstrução, pois além das questões financeiras será preciso recompor o acervo perdido, algo que inevitavelmente terá que vir de doações e empréstimos do exterior.

Na falta de apoio local, ajudas financeiras de outros países têm pingado e deverão contribuir para que o museu volte a ser relevante. A Alemanha anunciou que doará até um milhão de euros (R$ 4,34 milhões). Uma parte desse dinheiro vai diretamente à raiz do incêndio do Museu Nacional: será destinada para a reconstrução da parte elétrica do prédio. A perícia da Polícia Federal concluiu em abril que o fogo começou em um disjuntor do ar-condicionado do local. Além dos alemães, britânicos, através da agência British Council, também contribuíram com cerca de R$ 150 mil. O governo italiano irá ceder artefatos arqueológicos para exposição no consulado italiano no Brasil, e também ajudará na restauração de peças destruídas pelo fogo. Já o museu do Louvre, na França, se comprometeu com o empréstimo de itens egípcios para recompor a coleção do museu destruída pelo incêndio – uma das mais afetadas pela tragédia.

Doações modestas

Kellner afirma que as doações, principalmente de pessoa física, são essenciais para manter o dia-a-dia do museu ocupado, por causa da disponibilidade de verba. A captação é feita através da Associação Amigos do Museu Nacional, entidade voluntária que presta mensalmente contas a respeito das doações recebidas. Até junho, mais de 1400 pessoas tinham contribuído com alguma quantia, totalizando R$ 323 mil. O valor é quase insignificante frente ao total necessário para a reconstrução museu – estimado em torno de R$ 100 milhões – e fica ainda mais modesto quando comparado ao arrecadado para a reconstrução da catedral de Notre Dame, destruída por um incêndio em abril deste ano. No caso francês, entre doações de bilionários e cidadãos, foram arrecados cerca de R$ 3.3 bilhões até maio.

Kellner afirma que essa disparidade tem a ver com a forma com que a Europa enxerga a cultura, além de questões brasileiras como a inexistência da tradição em doações filantrópicas e a falta de incentivos fiscais para isso. Mas, para ele, o motivo determinante é outro. “Tenho saudade dos tempos em que o Brasil era conhecido pelas praias exuberantes, pelo belíssimo carnaval e pelo time de futebol. Hoje é pela corrupção. As pessoas não confiam que o dinheiro vai chegar sem ser desviado”. Ele cita a prisão de ex-presidentes do País e de ex-governadores do Rio de Janeiro como cruciais para essa percepção. O diretor planeja se aproximar mais da população com o novo Museu Nacional, incluindo rigorosa prestação de contas do valor do museu em relatórios anuais, coisa que segundo ele não ocorre com a instituição há mais de dez anos. Mas para isso o museu precisa ficar pronto.

“Se asobras não começarem em 2019, é porque alguém errou”  — Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional

EM OBRAS A fachada do prédio será a primeira a ser restaurada e a reabertura está prevista para 2022