14/04/2023 - 9:30
Coloquei uma meta na minha cabeça: passar no vestibular neste ano e não no próximo. Por isso, meu cronograma de estudo vai das 12h às 21h”, conta Maria Eduarda Fontes, de 19 anos. A estratégia tem um motivo: ela teme que o futuro incerto do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) a prejudique a conquistar uma vaga no curso de Direito em uma universidade pública. Ela se une aos que pensam igual por terem vivenciado o início do chamado Novo Ensino Médio (NEM), alvo de críticas por falhas em sua implantação desde 2022. “Matérias como Filosofia e Sociologia diminuíram na grade e são importantes para a prova”, acrescenta Rayssa Azevedo, 19. “No ano passado, eu tinha História só uma vez por semana. Minha irmã está estudando Cimento. Isso não tem nada a ver”, aponta Maria Eduarda Olivera, 18. Elas são estudantes do Cursinho Comunitário Pimentas, em Guarulhos, Região Metropolitana de São Paulo, e suas falas refletem a crise na educação brasileira.
Na semana passada, o Ministério da Educação anunciou a suspensão do cronograma de implementação do Novo Ensino Médio, o que impacta as alterações previstas para o Enem 2024. Isso afeta 2,9 milhões de alunos. Segundo dados do Censo Escolar, esse é o contingente que já estuda no NEM e que teria o exame do ano que vem adaptado ao novo currículo. No entanto, até segunda ordem, a avaliação dessa turma será na versão tradicional. Mas há um problema. “O Novo Ensino Médio não prepara os estudantes para o Enem. Isso é fato”, afirma Rômulo Ornelas, coordenador e fundador do cursinho.

Implantado de forma gradual, o NEM mudou a grade da rede pública e privada com os Itinerários Formativos – a parte flexível da matriz. No entanto, alunos e educadores relatam que disciplinas tradicionais foram neglicenciadas, o que prejudica o desempenho no Enem e no vestibular. “Os jovens da rede particular não perderam, pois mantiveram o conteúdo. Os da escola pública têm recebido aulas de maneira solta. Estão perdendo em História, Geografia, Ciência e Biologia, por exemplo”, detalha Ornelas. Em protestos recentes Brasil afora, eles denunciaram que passaram a ter disciplinas desconexas – como RPG e Brigadeiro Caseiro, além de questões na infraestrutura. “Tive eletiva de Cinema. Mas a escola em que eu estudava era periférica, o laboratório de informática sequer funcionava”, narra Flavio Novaes, 19. “Dizem que o NEM tem matérias úteis, como Economia. Acontece que o professor não tem formação nisso, fez só um curso rápido”, observa Nathan Garcez, 19.
Aprovado em 2017 e implementado na era Jair Bolsonaro (PL), o NEM carece agora da sensibilidade da gestão Lula. O ministro da Educação, Camilo Santana, afirma que a preocupação com o Enem 2024 motivou a suspensão do cronograma. Por isso, a pasta cogita ofertar diferentes versões da avaliação. “Se houver necessidade, no final dessa discussão, de ter que fazer dois Enems, nós vamos fazer.”
A pergunta que paira é como driblar as imprecisões que cercam tudo isso. “O desafio se configura tanto para instituições como para estudantes, porque eles terão estudado numa proposta de currículo reformulado, mas prestarão o Enem 2024 não adaptado a essa realidade”, analisa Márcia Cristina Dantas Leite Braz, superintendente de Educação Básica do Instituto Presbiteriano Mackenzie. O exame do próximo ano vislumbrava duas fases: a 1ª avaliaria com questões interpretativas compatíveis com os conteúdos na Formação Geral Básica. “E a 2ª fase teria questões objetivas dissertativas para avaliar os itinerários formativos”, explica.
Decisão em 60 dias
A polêmica suspensão é temporária. Uma definição será tomada em aproximadamente 60 dias, quando o grupo encarregado de discutir o tema concluir seus trabalhos para o MEC. Por ora, estudantes se organizam para o que está por vir. “A preparação para o Enem deve ser a combinação de esforços entre instituições e estudantes, buscando formação sólida e abrangente mesmo diante das incertezas”, considera Luciana Maia, superintendente acadêmica da Faculdade Fipecafi.

Nesse imbróglio, é importante ressaltar que o Enem 2023 segue sem alteração. “Os que farão o exame neste ano seguem com o mesmo tipo de prova dos anos anteriores. A grande discussão é sobre o do ano que vem: se será ajustado ao Novo Ensino Médio ou não”, destaca Gabriel Corrêa, diretor de Políticas Públicas do Todos pela Educação. “Sempre que há uma reforma profunda numa etapa do ensino – que apresenta problemas e o governo sinaliza que fará ajustes -, gera incerteza nas secretarias de Educação, nos profissionais do setor e nos estudantes. Quanto antes o MEC apresentar um encaminhamento, melhor”.
A espera por definições aflige a geração que está na sala de aula. “Essas mudanças só dificultam ainda mais a intenção de ocuparmos o nosso lugar: a universidade pública”, afirma Marina Bonifácio, 19. “É uma negligência educacional”, acrescenta Carlos Vinícius, 19. O temor deles é consequência da reforma, pois o Exame Nacional do Ensino Médio é hoje a principal porta de entrada no ensino superior do Brasil. O teste viabiliza o acesso às instituições públicas e privadas, sendo critério para a conquista de bolsas de estudo e financiamento estudantil do governo federal. “A respeito desse conteúdo de Cimento, que a minha colega citou, precisamos ver qual será o tipo de questão que cairá numa prova sobre uma aula dessa?”, indaga Eduardo Plaza, 18. A educação brasileira beira o desastre.