Coloquei uma meta na minha cabeça: passar no vestibular neste ano e não no próximo. Por isso, meu cronograma de estudo vai das 12h às 21h”, conta Maria Eduarda Fontes, de 19 anos. A estratégia tem um motivo: ela teme que o futuro incerto do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) a prejudique a conquistar uma vaga no curso de Direito em uma universidade pública. Ela se une aos que pensam igual por terem vivenciado o início do chamado Novo Ensino Médio (NEM), alvo de críticas por falhas em sua implantação desde 2022. “Matérias como Filosofia e Sociologia diminuíram na grade e são importantes para a prova”, acrescenta Rayssa Azevedo, 19. “No ano passado, eu tinha História só uma vez por semana. Minha irmã está estudando Cimento. Isso não tem nada a ver”, aponta Maria Eduarda Olivera, 18. Elas são estudantes do Cursinho Comunitário Pimentas, em Guarulhos, Região Metropolitana de São Paulo, e suas falas refletem a crise na educação brasileira.

Na semana passada, o Ministério da Educação anunciou a suspensão do cronograma de implementação do Novo Ensino Médio, o que impacta as alterações previstas para o Enem 2024. Isso afeta 2,9 milhões de alunos. Segundo dados do Censo Escolar, esse é o contingente que já estuda no NEM e que teria o exame do ano que vem adaptado ao novo currículo. No entanto, até segunda ordem, a avaliação dessa turma será na versão tradicional. Mas há um problema. “O Novo Ensino Médio não prepara os estudantes para o Enem. Isso é fato”, afirma Rômulo Ornelas, coordenador e fundador do cursinho.

ALERTA Fundador de cursinho, Rômulo Ornelas observa: NEM não prepara os estudantes para o Exame Nacional do Ensino Médio (Crédito:GABRIEL REIS)

Implantado de forma gradual, o NEM mudou a grade da rede pública e privada com os Itinerários Formativos – a parte flexível da matriz. No entanto, alunos e educadores relatam que disciplinas tradicionais foram neglicenciadas, o que prejudica o desempenho no Enem e no vestibular. “Os jovens da rede particular não perderam, pois mantiveram o conteúdo. Os da escola pública têm recebido aulas de maneira solta. Estão perdendo em História, Geografia, Ciência e Biologia, por exemplo”, detalha Ornelas. Em protestos recentes Brasil afora, eles denunciaram que passaram a ter disciplinas desconexas – como RPG e Brigadeiro Caseiro, além de questões na infraestrutura. “Tive eletiva de Cinema. Mas a escola em que eu estudava era periférica, o laboratório de informática sequer funcionava”, narra Flavio Novaes, 19. “Dizem que o NEM tem matérias úteis, como Economia. Acontece que o professor não tem formação nisso, fez só um curso rápido”, observa Nathan Garcez, 19.

Aprovado em 2017 e implementado na era Jair Bolsonaro (PL), o NEM carece agora da sensibilidade da gestão Lula. O ministro da Educação, Camilo Santana, afirma que a preocupação com o Enem 2024 motivou a suspensão do cronograma. Por isso, a pasta cogita ofertar diferentes versões da avaliação. “Se houver necessidade, no final dessa discussão, de ter que fazer dois Enems, nós vamos fazer.”

A pergunta que paira é como driblar as imprecisões que cercam tudo isso. “O desafio se configura tanto para instituições como para estudantes, porque eles terão estudado numa proposta de currículo reformulado, mas prestarão o Enem 2024 não adaptado a essa realidade”, analisa Márcia Cristina Dantas Leite Braz, superintendente de Educação Básica do Instituto Presbiteriano Mackenzie. O exame do próximo ano vislumbrava duas fases: a 1ª avaliaria com questões interpretativas compatíveis com os conteúdos na Formação Geral Básica. “E a 2ª fase teria questões objetivas dissertativas para avaliar os itinerários formativos”, explica.

Decisão em 60 dias

A polêmica suspensão é temporária. Uma definição será tomada em aproximadamente 60 dias, quando o grupo encarregado de discutir o tema concluir seus trabalhos para o MEC. Por ora, estudantes se organizam para o que está por vir. “A preparação para o Enem deve ser a combinação de esforços entre instituições e estudantes, buscando formação sólida e abrangente mesmo diante das incertezas”, considera Luciana Maia, superintendente acadêmica da Faculdade Fipecafi.

“Se houver necessidade, no final dessa discussão, de ter que fazer dois Enems, nós vamos fazer” Camilo Santana, ministro da Educação (Crédito:EVARISTO SA)

Nesse imbróglio, é importante ressaltar que o Enem 2023 segue sem alteração. “Os que farão o exame neste ano seguem com o mesmo tipo de prova dos anos anteriores. A grande discussão é sobre o do ano que vem: se será ajustado ao Novo Ensino Médio ou não”, destaca Gabriel Corrêa, diretor de Políticas Públicas do Todos pela Educação. “Sempre que há uma reforma profunda numa etapa do ensino – que apresenta problemas e o governo sinaliza que fará ajustes -, gera incerteza nas secretarias de Educação, nos profissionais do setor e nos estudantes. Quanto antes o MEC apresentar um encaminhamento, melhor”.

A espera por definições aflige a geração que está na sala de aula. “Essas mudanças só dificultam ainda mais a intenção de ocuparmos o nosso lugar: a universidade pública”, afirma Marina Bonifácio, 19. “É uma negligência educacional”, acrescenta Carlos Vinícius, 19. O temor deles é consequência da reforma, pois o Exame Nacional do Ensino Médio é hoje a principal porta de entrada no ensino superior do Brasil. O teste viabiliza o acesso às instituições públicas e privadas, sendo critério para a conquista de bolsas de estudo e financiamento estudantil do governo federal. “A respeito desse conteúdo de Cimento, que a minha colega citou, precisamos ver qual será o tipo de questão que cairá numa prova sobre uma aula dessa?”, indaga Eduardo Plaza, 18. A educação brasileira beira o desastre.