17/09/2024 - 5:31
Americano de 58 anos tentou ser voluntário na Ucrânia, mas aparentemente foi recusado. Postagens em redes sociais indicam comportamento delirante e megalomaníaco em relação a temas geopolíticos.Ryan W. R., o homem de 58 anos que foi preso no domingo (16/09) no estado americano da Flórida e que está sendo investigado por suspeita de tentar matar o republicano Donald Trump, foi levado nesta segunda-feira (16/09) para uma audiência num tribunal e oficialmente indiciado. Procuradores anunciaram que ele foi acusado inicialmente por crimes relacionados à posse ilegal de armas.
Um dia após a prisão, a imprensa americana especula sobre a motivação que levou Ryan R. a se deslocar para a Flórida, onde ele permaneceu de tocaia, empunhando um fuzil de assalto, junto à cerca de um clube de golfe no qual Trump jogava.
Ryan R. (A DW não divulga o nome completo de suspeitos, em conformidade com o código de imprensa alemão) acabou sendo visto por um agente do Serviço Secreto e foi preso após tentar fugir.
O incidente ocorreu a sete semanas da próxima eleição presidencial, na qual Trump é candidato, e dois meses após o republicano ser vítima de um atentado durante um comício.
Tocaia
De acordo com autoridades locais, Trump estava jogando golfe no Trump International Golf Course, em Palm Beach, por volta de 13h30 no horário local (14h30 em Brasília) quando um agente do Serviço Secreto viu um cano de fuzil surgir de um buraco da cerca da propriedade, a cerca de 350 metros ou a um buraco do campo à frente de onde o ex-presidente jogava.
O agente então abriu fogo na direção de um homem que empunhava o fuzil. O suspeito então fugiu num veículo Nissan preto, segundo relatou uma testemunha. Ele acabou sendo capturado pouco depois numa estrada próxima pela polícia local.
Policiais encontraram um fuzil AK-47, uma câmera GoPro e sacolas junto aos arbustos onde o suspeito estava de tocaia.
Segundo a polícia local, o suspeito não chegou a disparar antes de abandonar sua arma. E, de acordo com o Serviço Secreto, ele nunca chegou a ter Trump na linha de tiro. As autoridades tambem apontam que não há evidências de que ele tenha agido em conluio com outras pessoas.
Dados sobre a localização do celular, divulgados nesta segunda-feira no tribunal, indicam que o suspeito permaneceu por cerca de 12 horas de tocaia junto à cerca. Já a placa do veículo da fuga era clonada.
Trump foi retirado do campo de golfe após o alerta e levado para a sede do clube, que fica a cerca de 8 quilômetros da residência do republicano em Mar-a-Lago. Num e-mail enviado pouco depois para doadores, Trump afirmou que estava "seguro e bem".
No mesmo dia, o FBI, a polícia federal americana, confirmou que estava investigando "uma aparente tentativa de assassinato" de Trump.
Quem é Ryan R.?
O nome do suspeito não foi oficialmente divulgado até o momento, mas diversos veículos da imprensa americana, citando fontes anônimas de serviço de segurança, informaram que se trata de Ryan W. R, um homem branco de 58 anos que reside no estado americano do Havaí.
No estado insular, ele possui uma pequena empresa de construção civil. Fotos da sua residência publicadas na imprensa mostram uma casa relativamente simples. Ao tribunal da Flórida, ele afirmou que sua renda é de cerca de 3 mil dólares por mês e que não tem reservas financeiras. Ele ainda afirmou que só tem picapes registradas em seu nome. Antes de se mudar para o Havaí em 2018, Ryan R. residiu a maior parte da sua vida na Carolina do Norte, na costa leste dos EUA continental.
Segundo a rede pública NPR, Ryan R. já teve problemas com a lei décadas atrás, tendo passagens pela polícia por posse de uma metralhadora automática (algo proibido até mesmo pelas permissivas leis sobre armas dos EUA) e por posse de uma arma de fogo oculta durante uma abordagem policial e posterior fuga. Ele também aparentemente foi intimado no passado por não pagar impostos dentro do prazo, por posse de bens roubados e por passar cheques sem fundos.
Tentativa frustrada de lutar pela Ucrânia
Contas do suspeito em redes sociais, vídeos no YouTube e até mesmo entrevistas concedidas para veículos de imprensa mostram que Ryan R. viajou para Kiev, na Ucrânia, após a invasão do país pela Rússia, para se apresentar como combatente voluntário. No entanto, ele contou em vídeos e entrevistas que foi recusado pelos ucranianos. Várias publicações sugerem que Ryan R. permaneceu semanas em Kiev. Na condição de americano pró-ucraniano, ele acabou concedendo entrevistas para veículos como o New York Times, a agência de notícias AFP e o Financial Times.
Ao Financial Times, em 2023, ele se queixou de ter sido rejeitado pelos ucranianos por causa da sua idade. Ele repetiu a história em um vídeo publicado por uma revista romena no YouTube. Neste último vídeo, ele descreveu como via a guerra iniciada em 2022. "Muitos dos outros conflitos são cinzentos, mas esse conflito é definitivamente preto e branco. Trata-se do bem contra o mal", disse Ryan R.
Ryan R. ainda fez afirmações similares em um ebook de quase 300 páginas que ele ofereceu na Amazon. "Estou cada vez mais decepcionado com a humanidade", disse Ryan R. no YouTube. "Estou começando a questionar se vamos acabar no lado certo dessa equação."
Após ser rejeitado pelos ucranianos, Ryan R. começou a se apresentar como um organizador que buscava voluntários mais jovens para lutar para a Ucrânia. Seus esforços parecem ter ocorrido sobretudo em publicações em redes sociais, muitas delas num tom delirante que parece tentar inflar sua importância.
Uma dessas publicações, que aparece num perfil da rede X (antigo Twitter) com o mesmo nome do suspeito, diz que ele tem sob seu comando "20 mil soldados sírios e afegãos". Em outras publicações, os números variam, e Ryan R. lamenta que os ucranianos não estavam levando a sério suas ofertas.
Segundo ucranianos ouvidos por veículos da imprensa após o incidente na Flórida no fim de semana, Ryan R. nunca teve nenhuma relação com as forças de Kiev. O chefe de uma unidade de voluntários relatou à CNN que ele foi rechaçado por comportamento errático e que a unidade nem se dava ao trabalho de responder suas "mensagens delirantes". Um voluntário americano que foi contactado por Ryan R. em 2022 disse à revista Newsweek que o suspeito era um "alucinado" e "mentiroso".
O Kremlin rapidamente agarrou a oportunidade para tentar capitalizar em cima do episódio. "Eu me pergunto o que aconteceria se se descobrisse que o novo atirador de Trump, R., que recrutou mercenários para o exército ucraniano, foi ele mesmo contratado pelo regime neonazista em Kiev para essa tentativa de assassinato?", disse o ex-presidente russo Dmitri Medvedev, repetindo a retórica sem base do Kremlin de que a Rússia iniciou sua guerra de agressão contra a Ucrânia para combater "neonazistas".
Não há nenhuma evidência até o momento de que Ryan R. tenha efetivamente conseguido recrutar voluntários para a Ucrânia. Outras publicações em seu nome nas redes sociais sugerem que suas iniciativas em apoio a Ucrânia eram na maioria erráticas ou fruto de fantasia. Em várias publicações nas redes sociais, ele ainda tentou contatar, em tom suplicante, diversos cantores pop, como Bono, Sting e Bruno Mars, para produzir uma música para apoiar a Ucrânia. "Eu já tenho a letra", escreveu Ryan R. nas mensagens, que continham ainda seu telefone e e-mail.
Obsessão por temas geopolíticos do momento
Antes do início da guerra na Ucrânia, as redes sociais de Ryan R. indicavam fixação no que eram os temas geopolíticos do momento, como a permanente crise entre Taiwan e a China, o sufocamento da democracia em Hong Kong, as ameaças nucleares da Coreia do Norte. Em várias publicações, Ryan R. se apresenta como um protagonista que teria poder para ajudar a encontrar uma solução para essas tensões internacionais.
Em algumas publicações, ele pede aos atores Seth Rogen e James Franco para que se encontrem com o ditador norte-coreano, Kim Jong-un, e mostrem que os EUA "são amigos" – em 2014, Rogen e Franco estrelaram um filme no qual interpretam jornalistas que são recrutados para matar Kim.
Em outras mensagens no X dirigidas a Kim – que não tem conta na rede –, Ryan R. se ofereceu como guia para que o ditador conhecesse as praias do Havaí e pediu um cargo de embaixador para negociar o fim das sanções americanas ao país. Em outras, ele se dirigiu às autoridades comunistas de Pequim se oferecendo para ser um mediador em meio aos protestos estudantis que ocorreram entre 2019 e 2020. Em outras, ele também se apresentava como um recrutador em busca de voluntários para lutar por Taiwan num conflito com a China.
Em relação à política americana, Ryan R. demonstrou, em diferentes momentos, simpatia e oposição por quase todo o espectro político do país.
Numa publicação de 2020, ele deu a entender que votou em Trump em 2016 e depois se arrependeu. "Eu e o mundo esperávamos que o presidente Trump fosse diferente e melhor do que o candidato, mas todos nós tivemos uma grande decepção", escreveu ele. "Ficarei feliz quando você se for."
Em 2020, por sua vez, ele expressou simpatia pelo democrata Bernie Sanders e rechaçou Joe Biden usando o apelido "sleepy Joe" (Joe sonolento), que foi cunhado por Trump. Ainda entre 2019 e 2020, ele fez doações de algumas poucas dezenas de dólares para alguns pré-candidatos do partido, segundo registros divulgados por veículos da imprensa americana, mas também expressou apoio à republicana Tulsi Gabbard.
Mais recentemente, ele publicou mensagens expressando apoio aos republicanos Nikki Haley e Vivek Ramaswamy, que disputaram com Trump a indicação da candidatura republicana no pleito presidencial de 2024.