A visita do presidente Xi Jinping a Brasília nesta quarta-feira (20) deve fortalecer ainda mais o relacionamento entre a China e o Brasil, dois gigantes que desejam reforçar sua proeminência no cenário mundial.

– Dois grandes atores do Sul global –

A China e o Brasil, potências mundiais emergentes, representam, respectivamente, o quarto e o quinto maiores países do mundo e o segundo e o sétimo mais populosos.

Com cinquenta anos de relações diplomáticas, o relacionamento bilateral é baseado em uma harmonia geopolítica que cresceu desde o retorno ao poder, em 2023, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“É natural que o governo comunista chinês se sinta mais confortável para dialogar com países governados pela esquerda”, disse à AFP Marcos Caramuru, ex-embaixador brasileiro na China, embora “a relação da China com o Brasil seja totalmente pragmática”.

Esse entendimento tem como espaço privilegiado o grupo Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), no qual Brasília e Pequim trabalham para fortalecer as posições do grupo no tabuleiro de xadrez geopolítico.

De acordo com Jorge Heine, pesquisador da Universidade de Boston e ex-embaixador do Chile na China, “à medida que as tensões com os Estados Unidos e a Europa aumentam, Pequim está se concentrando cada vez mais no Sul global, onde o Brasil desempenha um papel central”.

Ambos os governos apresentaram uma proposta de paz para a guerra entre a Rússia e a Ucrânia este ano. O presidente russo, Vladimir Putin, a considerou “equilibrada”, mas foi rejeitada pelo presidente ucraniano, Volodimir Zelensky. O plano também não conseguiu ganhar força nos EUA e na Europa.

– Parceiros comerciais com assimetrias –

Os dois países têm uma parceria comercial estratégica, embora seja assimétrica em favor da potência asiática.

A China é o maior parceiro comercial do Brasil e o principal destino de suas exportações, enquanto o Brasil é o nono maior parceiro comercial da China e a principal fonte de suas importações agrícolas.

Embora o Brasil seja um dos poucos países com um superávit com a China, suas exportações são “extremamente concentradas” em matérias-primas, de acordo com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos.

Em contrapartida, as exportações chinesas para o Brasil têm um perfil diversificado, “alguns com elevado grau de sofisticação tecnológica e alto valor agregado”.

“Para corrigir esse desequilíbrio, a China deve cumprir seu compromisso de apoiar a reindustrialização do Brasil”, disse Margaret Myers, diretora para a Ásia e América Latina do Inter-American Dialogue.

De acordo com Rodrigo Zeidan, economista da Universidade de Nova York em Xangai e da Fundação Dom Cabral, “a ideia de que só é possível crescer exportando manufaturas é uma visão de desenvolvimento da década de 1970”, já que “países como Austrália e Nova Zelândia ficaram muito ricos vendendo commodities para a China”.

– O que vem por aí: carros elétricos –

A contribuição da China para a indústria brasileira já está em andamento em setores que precisam transformar sua matriz produtiva para melhorar seu desempenho ambiental, como é o caso das empresas automotivas.

A Great Wall Motors (GWM) e a BYD, duas das principais montadoras chinesas, anunciaram investimentos de 2,5 bilhões de dólares (14,4 bilhões de reais) em fábricas no Brasil para a produção de carros elétricos.

“A economia verde oferece um potencial considerável para o investimento chinês na região, dadas as reservas de cobre e lítio da América do Sul, dois minerais essenciais para baterias eletrônicas”, disse Heine. ‘A China é líder na produção de veículos elétricos, portanto, há uma complementaridade natural’, acrescentou.

– Mais unidos após a vitória de Trump? –

De acordo com Myers, na visão chinesa, o iminente retorno do republicano Donald Trump à Casa Branca “se traduzirá em uma perda do ‘soft power’ dos EUA na América Latina”, o que pode fortalecer ainda mais os laços de Pequim com os países da região

Por enquanto, o governo brasileiro está sendo pragmático na esfera externa. “Não pense que quando falo da China quero brigar com os Estados Unidos. Quero os Estados Unidos do nosso lado tanto quanto quero a China”, disse o próprio Lula, de 79 anos, meses atrás.

Antes da viagem de Xi, de 71 anos, foi cogitada a possibilidade de o Brasil aderir à Iniciativa Cinturão e Rota, um programa chinês de infraestrutura e cooperação internacional lançado em 2013, como parte da estratégia do país para aumentar sua influência global.

No entanto, o principal assessor de Lula para assuntos internacionais, Celso Amorim, reduziu as expectativas ao declarar que a negociação com a China “não é assinar embaixo, como uma apólice de seguro. Não estamos entrando em um tratado de adesão. É uma negociação de sinergias”.

Uma fonte diplomática brasileira confirmou à AFP que “o Brasil está disposto a escutar o que a China tem a apresentar” , mas “o rótulo” do que for acordado “não é fundamental”.