Nenhum outro tema de repercussão global sentirá mais o impacto da vitória eleitoral de Donald Trump do que o das mudanças climáticas. Retornará à Casa Branca um contumaz negacionista, disposto a desmantelar políticas voltadas para o incentivo à economia verde, proteção do meio ambiente e redução do uso de combustíveis fósseis.

O segundo mandato de Trump acontecerá justamente em um período crucial para a redução da emissão de gases responsáveis pelo aquecimento global, para evitar um ponto sem volta na crise climática, conforme reiteram a comunidade científica e os acordos climáticos internacionais. Os EUA são atualmente o segundo maior emissor de gases do efeito estufa, atrás da China.

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Os países, de forma geral, estão atrasados em relação aos compromissos de reduzir as emissões pela metade até 2030 para evitar um aumento de 1,5 °C na temperatura global em relação à era pré-industrial, compomisso firmado no Acordo de Paris — que Trump anunciou na corrida eleitoral que deixará de seguir, novamente.

Com um pouco mais de 1ºC de aquecimento médio até agora, o mundo já registra tempestades severas, inundações, vendavais e furacões mais potentes, ondas de calor sem precedentes, secas prolongadas, recordes de incêndios e perda de vida selvagem.

O que foi dito durante a campanha

Trump nega o aquecimento global e até faz troça do problema, como na vez que disse que “está muito frio aqui fora hoje”. Durante a campanha, o republicano afirmou que mudança climática é “um dos maiores golpes de todos os tempos”.

Entre as desinformações climáticas empilhadas pelo republicano nas últimas semanas, está a de que o aumento do nível do mar criará “mais propriedades à beira-mar”, que a energia eólica é “besteira, é horrível” e até mesmo que vacas e janelas serão banidas pelos democratas caso ele perdesse a disputa.

Trump reviveu ainda seu slogan “drill, baby, drill” (perfure, baby, perfure), o que sinaliza um revés aos investimentos em energias renováveis.

Freio à transição energética

Sem precisar do aval do Congresso, Trump tem o poder de desacelerar investimentos e acabar com ações regulatórias adotadas na gestão de Joe Biden, como as regras para redução da poluição de usinas a carvão, carros e caminhões, e os esforços para proteger comunidades afetadas pelas mudanças climáticas.

As penas para o vazamento de metano, um dos principais gases de efeito estufa, também estão na mira, após reclamações de alguns dos principais doadores do setor de petróleo à campanha de Trump.

O que a vitória de Trump representa para os desafios climáticos
Artista Jacques Rival e sua criação “Everything is fine”, que denuncia a negação da mudança climática por parte de Donald Trump, em 5 de julho em Metz, na França | AFP

Analistas apontam que um dos principais alvos da próxima gestão pode ser a lei climática assinada por Biden, chamada de Lei para Redução da Inflação, conhecida como IRA na sigla em inglês. A medida direcionou 400 bilhões de dólares em créditos tributários e subsídios para novos empreendimentos em energia limpa, principalmente eólica, solar, baterias elétricas, captura de carbono e hidrogênio verde.

Para dissolver o pacote de incentivos, no entanto, Trump terá de contar com o aval do Congresso e pode contar com a resistência inclusive de aliados, uma vez que a maior parte dos projetos e dos aportes do IRA foram feitos em distritos republicanos, de acordo com a consultoria E2.

Trump sinalizou que a produção de petróleo e gás, que já está em alta, será impulsionada pela abertura do Ártico, no Alasca, para perfuração. Também afirmou que dará um fim à pausa nas exportações de gás natural liquefeito para “reduzir o custo da energia pela metade nos primeiros 12 meses após a posse”.

Especialistas alertam que um recuo dos EUA na diplomacia climática pode prejudicar a ação global para reduzir a dependência de combustíveis fósseis, dando a outros grandes poluidores, como a China e a Índia, uma desculpa conveniente para reduzir suas próprias metas.

Sinais do primeiro mandato

A nomeação de Trump em seu primeiro governo para chefiar a Agência de Proteção Ambiental (EPA, o equivalente ao Ministério do Meio Ambiente) ilustra bem como o presidente eleito encara as questões ligadas ao meio ambiente.

O administrador Scott Pruitt, escalado para a função em 2017, foi classificado pela revista Nature como “desmantelador de agência”, “cético do clima” e “indicado político que enfraqueceu a Agência de Proteção Ambiental – e a ciência – com eficiência cruel”.

Pruitt renunciou ao cargo em julho de 2018 após a imprensa americana revelar escândalos como aceitar favores e itens de luxo de lobistas da área de energia.

Em sua sabatina de confirmação no Senado americano, ele seguiu o coro do chefe e disse que não havia evidência de que os humanos estivessem causando as mudanças climáticas.

Em um ano e meio no cargo, o administrador reverteu 22 regulações ambientais e interferiu em outras 44, segundo levantamento do site Think Progress. Ele ainda perseguiu cientistas – 700 funcionários deixaram a agência, no maior êxodo de um órgão do govenro americano, de acordo com o Observatório do Clima.

Durante seu primeiro mandato, e sob orientação de Pruitt, Trump retirou os EUA do histórico Acordo de Paris, firmado em 2015 e retomado por Biden na atual gestão, e prometeu fazê-lo novamente.

O procedimento formal de saída leva um ano a partir da notificação, o que significa que os Estados Unidos permaneceriam tecnicamente a bordo do acordo climático até 2026, mesmo que apenas formalmente.

Pelo acordo, Washington se comprometeu a reduzir pela metade suas emissões de gases de efeito estufa até 2030, em comparação com os níveis de 2005. Até 2023, as emissões haviam caído 18%, de acordo com o Rhodium Group.