O que pode ser feito para conter alta dos alimentos no Brasil?

O que pode ser feito para conter alta dos alimentos no Brasil?

"EventosSugestão do presidente Lula para brasileiros evitarem produtos mais caros não funciona na prática, dizem economistas. Dólar e clima são alguns dos fatores para alta, que impacta popularidade do presidente.No restaurante self-service da região hospitalar de Belo Horizonte, o cafezinho é servido aos clientes como cortesia na hora de pagar a conta. Apesar de o preço do produto ter subido 39,6% em 2024, de acordo com o IBGE, o proprietário do lugar, Valdênio Matos, não considera deixar de lado o agrado à clientela, muito menos trocar a marca por uma mais barata (e de pior qualidade).

O empresário tem outras preocupações. Em uma semana, o preço da peça de picanha vendida por um fornecedor passou de R$ 99 para R$ 120, um reajuste de 21%. "E ainda tem os 13% de imposto, já que o produto vem de São Paulo", reclama ele.

Como mantém um estoque, Valdênio prefere esperar uma eventual queda no preço da carne – o que parece pouco provável. No caso de outros ingredientes mais perecíveis, como laranja e quiabo, esse manejo é mais difícil. "Está pesando nas contas. Ainda não repassei os preços para os clientes, mas daqui a pouco vai ser impossível segurar", confessa.

É verdade que o índice oficial da inflação, o IPCA, fechou o ano passado em 4,83%, patamar próximo ao centro da meta determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 4,5%. No entanto, o grupo alimentos e bebidas destoou, acumulando uma alta de 7,69% durante 2024.

A pressão sobre preços de itens essenciais, como café, carnes, ovos e óleo de cozinha, deve perdurar ao menos ao longo da primeira metade do ano, tornando-se a principal pedra no sapato do governo, que tem visto sua popularidade cair.

Levantamento da Genial/Quaest divulgado em 27 de janeiro mostrou que, pela primeira vez, o percentual de desaprovação de Lula (49%) ultrapassou a aprovação (47%). Dos entrevistados, 83% afirmaram ter percebido a alta nos supermercados.

Nesta quinta-feira (06/2), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, em entrevista a uma rádio da Bahia, que os brasileiros podem fazer a sua parte para conter a alta no preço dos alimentos, ao deixar de comprar produtos que estejam muito caros, por exemplo.

"Se você vai num supermercado aí em Salvador e desconfia que tal produto está caro, você não compra. Se todo mundo tiver essa consciência e não comprar aquilo que acha que está caro, quem está vendendo vai ter que baixar, senão vai estragar", afirmou Lula.

Inflação de oferta

Para especialistas consultados pela DW Brasil, porém, essa medida teria pouco ou nenhuma efetividade, já que o aumento atual no preço dos alimentos não está relacionado a uma alta procura por certos produtos – o que é chamado no jargão econômico de inflação de demanda.

O que está acontecendo seria justamente o contrário – o aumento das exportações, que reduzem a oferta de produtos para os consumidores brasileiros, tem puxado essa alta.

O câmbio desvalorizado, que torna o mercado externo atrativo para os produtores nacionais, e os impactos climáticos, que dificultaram os cultivos agrícolas e a engorda do gado, se juntam a esse cenário.

"Somos um país produtor de proteína animal e de alimentos em larga escala. Esses produtos da agricultura realizados com quantidade normalmente se destinam às exportações e não ao mercado doméstico. Então, preços do mercado internacional acabam definindo a oferta no mercado local", afirma Cristina Helena, professora de economia da PUC-SP.

Quando os preços das commodities agrícolas sobem e as exportações aumentam por causa da taxa de câmbio, há um desabastecimento do mercado local, que pressiona o preço, explica a economista. Em 2024, o dólar subiu 27,34% em relação ao real, impulsionando esse movimento.

Helena lembra também que os fertilizantes utilizados na agricultura já estão em níveis de preço elevados por causa da Guerra na Ucrânia encampada pela Rússia, maior produtora mundial do insumo. "Além disso, o dólar mais caro fez com que a gente produzisse de forma mais cara no Brasil, usando esses insumos importados", complementa a economista.

Os impactos climáticos do El Niño, por outro lado, também causaram problemas para os produtores, principalmente no Brasil. As inundações no Rio Grande do Sul, queimadas e seca foram fatores adicionais nessa equação. O café, por exemplo, teve redução de oferta por causa de incêndios não só no Brasil, onde houve redução na oferta do grão, mas também na Ásia, mais especificamente no Vietnã. O país é o principal fabricante de uma mistura chamada robusta, muito utilizada em espécies de cafés solúveis, e passou por uma seca recorde no ano passado.

A estiagem em solo brasileiro também está por trás da inflação na carne de boi, que no ano passado ficou em 20,84% – mesmo percentual observado por Valdênio, o dono de restaurante em Belo Horizonte, com seu fornecedor.

"O El Niño secou os pastos por um tempo prolongado, o que demanda mais tempo para a engorda do boi. Desse jeito, há uma oferta de carne menor, com preços maiores. Não há nada que o Banco Central possa fazer para isso, como aumentar os juros", comenta o professor José Luis Oreiro, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB).

O que o pode ser feito?

Uma das medidas que está ao alcance do governo para amortecer o preço dos produtos agrícolas, mas que não teria efeito imediato, é a retomada dos estoques de alimentos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que estão zerados desde 2020, durante o governo Bolsonaro.

"A ideia é que, quando há uma quebra de safra, o governo coloca no mercado esses estoques para suavizar a alta no preço. Isso precisava ser retomado como política de estado em 2023, quando as condições climáticas estavam favoráveis, mas não foi feito", diz Oreiro, da UnB. Ele sugere, inclusive, que o governo pode utilizar essa estratégia não só com grãos, mas também com carnes, armazenando em frigoríficos quando o preço está favorável.

Há ainda remédios mais "amargos", cita Cristina Helena, como a importação de produtos para abastecer o mercado interno. Porém, como salienta a professora, essa medida geraria mais gastos, aumentando o déficit fiscal, além de um conflito doméstico.

"O governo tentou fazer isso no Sul durante as enchentes, importando produtos do Uruguai e do Paraguai para equilibrar os preços, mas foi visto como uma tentativa de tirar mercado dos produtores locais, que já estão sofrendo com a variação climática, dificuldade de ofertar, e ainda sofreriam com uma concorrência externa", pontua a economista.

Há um alívio à vista com a reforma tributária, sancionada por Lula em janeiro deste ano e prevista para começar a valer em 2026. A lei determina zerar impostos para 22 itens, o que incluiu alimentos como arroz, feijão, carne e leite. Cristina Helena explica que, além da tendência de baratear esses produtos, o novo sistema deve reduzir a regressividade nos impostos – quando a cobrança impacta mais as pessoas que recebem menos.

"Gás de cozinha e produtos alimentares atingem 100% da população, são formadores da opinião pública e definidores de processos eleitorais. É uma questão para se observar e tomar cuidado, seja na questão da segurança alimentar, da empatia, de entender que somos um país que tem uma população muito pobre e em condições de miserabilidade, mas também do ponto de vista político. Sucessões eleitorais no Brasil tradicionalmente não acontecem quando preços como do gás de cozinha e alimentos sobem, dificultando a vida dos brasileiros", conclui a professora da PUC-SP.