22/03/2020 - 5:48
Enquanto aguardam o pico da epidemia de coronavírus na Europa, ou seja, o número máximo de casos, os especialistas se perguntam o que acontecerá a seguir.
Depois que o “tsunami” passar, como descrito pela equipe médica na Itália, a questão é se o número de casos começará a cair ou, pelo contrário, haverá “réplicas secundárias” recorrentes.
A diretora geral da agência francesa de Saúde Pública, Geneviève Chêne, admite que “é muito cedo para ter certeza da dinâmica da epidemia”.
Tendo em conta a experiência da China e da Coreia do Sul, os primeiros países afetados, “vemos que há uma dinâmica de um período entre dois e três meses com uma reversão do pico, após medidas muito rigorosas, entre o primeiro e o segundo mês”, explicou em declarações à rádio France Info.
Nesse caso, a queda no número de casos na França começaria em maio.
Na China, a onda parece ter passado. Por vários dias, e até esse final de semana, o país não registrou nenhum caso de infecção local por Covid-19.
Mas o especialista em saúde pública e epidemiologista Antoine Flahault diz que pode ser um período de calma antes de uma nova onda de infecções.
“Será que a China experimentou apenas uma onda anunciadora (…) enquanto a grande onda ainda está por vir?”, questionou na revista médica The Lancet.
Para entender o complexo funcionamento das epidemias, é preciso voltar à gripe de 1918, que, em três ondas sucessivas, deixou quase 50 milhões de mortos e depois desapareceu.
Por que a “grande gripe” desapareceu? É uma pergunta que intriga os matemáticos, incluindo os escoceses William Ogilvy Kermack e Anderson Gray McKendrick, que criaram modelos para entender sua evolução.
Em sua análise, descobriram que uma epidemia desaparece não por causa da “falta de combatentes” – uma situação em que um agente infeccioso desaparece junto com os pacientes que mata – mas por causa da aquisição de “imunidade de grupo”, explica Flahault, diretor do Instituto de Saúde Global da Universidade de Genebra (Suíça).
“A imunidade de grupo é a proporção de pessoas imunizadas contra o vírus (por infecção ou vacina quando existe) necessárias para bloquear qualquer risco de ressurgimento da epidemia”, explica ele à AFP.
Essa proporção depende da facilidade com que o vírus é transmitido de uma pessoa infectada para uma pessoa saudável.
Esquematicamente, quanto mais contagiosa a doença, maior será a proporção de pessoas imunizadas para que a epidemia pare.
Flahault calcula que, no caso do coronavírus, “é necessário entre 50 e 66% de pessoas infectadas e imunizadas para eliminar a pandemia”.
Mas o nível de contagiosidade (chamado ‘R’) varia ao longo do tempo em função das medidas sanitárias que se aplicam (quarentena, medidas de barreira, confinamento) e também das condições climáticas.
Se ‘R’ for inferior a um, é possível dizer que um doente contamina menos de uma pessoa, “então a epidemia é contida”, explica Flahault.
– “Ressurgimento” –
Mas “não necessariamente desaparece, principalmente se a proporção de imunizados não atingir entre 50% e 66%. Pode fazer uma pausa. É o que está acontecendo agora na China e na Coreia”, diz ele.
“Os freios sanitários ou meteorológicos são transitórios” e, quando desaparecem, a epidemia recomeça até atingir a imunidade de grupo, ressalta o especialista francês.
O chefe do serviço de doenças infecciosas do hospital de Paris Pitié-Salpêtrière, François Bricaire, também acredita que é possível um ressurgimento da epidemia.
“O reaparecimento da Covid-19 é uma possibilidade, com um ressurgimento sazonal”, explica ele à AFP.
De acordo com a especialista australiana em doenças infecciosas Sharon Lewin, o novo coronavírus pode retornar após a onda atual.
“Não sabemos se ele voltará”, reconhece, lembrando que a SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave), também causada por um coronavírus, matou 774 pessoas em 2002 e 2003 e desapareceu graças a medidas estritas de “distanciamento social”.
Tudo isso pode mudar se, como a indústria farmacêutica promete, uma vacina for alcançada dentro de 12 ou 18 meses.