Por Tatiana Girardi SÃO PAULO, 29 OUT (ANSA) – Com a aproximação das eleições presidenciais norte-americanas, no dia 3 de novembro, uma das principais questões para os brasileiros é como ficará a relação com os Estados Unidos no caso de uma vitória do democrata Joe Biden.

Desde que assumiu a Presidência, Jair Bolsonaro iniciou um inédito alinhamento automático a Donald Trump – mudando significativamente a maneira como o país focava sua atuação no exterior.

No entanto, o futuro das relações Brasil-EUA no caso de vitória de Biden ainda é motivo de controvérsia entre analistas.

Bolsonaro se aliou ao republicano por diversos motivos, que vão desde as crenças mais conservadoras até o estilo populista de fazer política.

Contudo, Trump deu pouca atenção para a América Latina em seus primeiros quatro anos de mandato, focando muito mais no controle de fronteiras e na expulsão de migrantes sem documentos e visitando o subcontinente apenas uma vez, em 2018, para uma reunião do G20 em Buenos Aires, na Argentina.

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Já Biden teve uma postura diferente durante o período em que foi vice-presidente de Barack Obama (2009-2017). Designado como responsável pelas relações com os países latino-americanos, ele visitou a região 16 vezes em oito anos – além das cinco viagens oficiais de Obama.

Sua relação com o subcontinente, segundo diversos perfis publicados pela mídia norte-americana, tem a ver com sua crença de que os Estados Unidos ajudaram – e muito – a região a não se desenvolver economicamente e de que é preciso que o país exerça um papel de liderança nas Américas.

Em entrevista à ANSA, o coordenador da pós-graduação em relações institucionais e governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília, Márcio Coimbra, afirma que a eleição de Biden provocaria, em todos os tipos de relações internacionais, “um fortalecimento do sistema multilateral, porque o presidente Trump enxerga o globalismo, que é a presença dos organismos internacionais de forma mais intensa junto às politicas nacionais dos países, de forma muito negativa”.

Sobre o Brasil, Coimbra acredita em um pragmatismo por parte dos democratas. “Os americanos têm uma característica: um pragmatismo muito grande. Então, na verdade, eles pensam as relações como sendo entre Estados e não entre pessoas. Eu acredito que o Brasil possa se valer dessa característica dos americanos para continuar essa relação estreita que a gente tem com os Estados Unidos. Por terem essa postura pragmática, eles não vão querer perder um parceiro estratégico na América Latina do tamanho do Brasil”, diz o cientista político.

Coimbra também ressalta que “não é porque Bolsonaro tem uma relação com Trump que os democratas vão enxergá-la com maus olhos”. “Muito pelo contrário, eles vão aproveitar os caminhos que Trump abriu e, a partir daí, aí sim, construir uma parceria com base na agenda deles, dos democratas. Mas vão continuar usando essa relação que eles têm com o Brasil”, acrescenta.

Já o professor da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Pedro Brites vê a situação de maneira diferente, justamente por conta da proximidade de Bolsonaro com Trump.

“O presidente Jair Bolsonaro, desde que assumiu o poder, até mesmo durante o processo eleitoral, vinha demonstrando uma grande intenção de se aproximar muito dos Estados Unidos. Mas, mais do que uma aproximação bilateral com os Estados Unidos, o objetivo era uma aproximação pessoal e particular com Trump.

Essa relação foi sendo fortalecida através do discurso, das atitudes brasileiras. Então hoje, a política externa brasileira está orientada para essa relação especial que se estabeleceu com o presidente americano”, pontua Brites à ANSA.

Para o professor, uma eventual vitória democrata “afeta diretamente a ideia que o Brasil construiu, afinal já houve críticas do próprio Bolsonaro a Biden durante o período de campanha eleitoral nos EUA”. “Com certeza, isso indicaria um maior isolamento do Brasil no plano internacional.” Já Bruno Reis, professor de ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), tem uma visão diferente e acredita que, como o “Brasil não é prioridade para a política externa americana”, a situação não vai mudar muito com uma vitória de Biden.

“De modo geral, acho que isso é sempre superestimado. É algo muito residual, não muda quase nada. A empatia presidencial, às vezes, importa mais que o alinhamento programático, como [Bill] Clinton e Fernando Henrique Cardoso, [George W.] Bush e Lula.

Tem dessas coisas”, diz o especialista à ANSA.


Reis ressalta que não espera uma “hostilidade” de um governo Biden com o presidente brasileiro, mas “Bolsonaro teria que normalizar o discurso”.

“Não esperaria hostilidade do Biden, não, mas esfriamento, com certeza. E Bolsonaro tem que falar sério, porque aí volta o jeito mais politicamente correto e caxias dos democratas. Eles não vão antagonizar um país que está te bajulando para jogá-lo no colo da China, mas também não vão arcar com custo nenhum para proteger o Brasil. Se eles tiverem alguma prioridade onde o Brasil esteja fora da curva e incomode, eles vão enquadrar, como a Amazônia”, pontua.

De acordo com o especialista, a personalidade de Biden também acaba ajudando nesse processo, já que, apesar de “não ser carismático”, o democrata “é um cara legal, um bom sujeito”.

“Ele se molda, não é nenhuma megaliderança de peso com plataforma clara, carismática, mas o cara provavelmente vai farejar para onde o vento está soprando. A ironia é que, às vezes, esses caras acabam fazendo mais diferença”, finaliza.

Segundo o portal Real Clear Politics, que soma todas as pesquisas eleitorais norte-americanas e faz um média, Biden lidera a corrida com 7,7 pontos de vantagem sobre Trump, mas a disputa será decidida nos chamados “estados-pêndulo”, onde o democrata também aparece na frente, porém com números mais apertados. (ANSA).


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