Agora apenas filhos ou netos de pessoas que tinham exclusivamente o passaporte italiano terão direito a solicitar cidadania por direito de sangue. Regras não mudam para quem tinha cidadania ou havia protocolado pedido.A Itália endureceu a lei que concede o direito à cidadania aos descendentes de italianos nascidos no exterior. A medida impacta diretamente descendentes que moram no Brasil e na Argentina.
O primeiro passo foi dado por meio de um decreto publicado no fim de março. Em 20 de maio, a Câmara do país deu o aval final para o decreto fosse transformado em lei.
O objetivo, segundo o governo italiano, é conter a “comercialização” do passaporte italiano e o aumento de solicitações, vindas principalmente da América do Sul – para onde milhões de italianos emigraram nos séculos 19 e 20.
“A nacionalidade não pode ser um instrumento para poder viajar para Miami com um passaporte europeu”, disse o ministro das Relações Exteriores italiano, Antonio Tajani, em março, depois do Conselho de Ministros aprovar o primeiro decreto nesse sentido.
O que muda com a nova regra da cidadania italiana
A Itália concede sua nacionalidade seguindo, entre outros, o princípio do “jus sanguinis” (direito de sangue), ou seja, por descendência ou filiação, o que levou muitos estrangeiros, descendentes de antigos emigrantes italianos, a reivindicá-la.
Pelas regras anteriores, qualquer pessoa que conseguisse provar que tinha um ancestral italiano vivo após 17 de março de 1861, quando o Reino da Itália foi criado, podia solicitar a cidadania. Dessa forma, não havia limite de gerações para solicitar cidadania por sangue.
Mas a nova lei muda esta orientação e estipula que os descendentes de italianos nascidos no exterior só receberão a cidadania automática por duas gerações: ou seja, se pelo menos um dos pais ou avós tinha exclusivamente a cidadania italiana no momento do falecimento. Ou seja, não tinha dupla nacionalidade.
Na prática, isso significa que mesmo os italianos natos que adquiriram uma segunda cidadania em vida — como a brasileira — não poderão transmitir o direito à aos seus descendentes.
A exceção se aplica quando o pai ou a mãe do descendente tiver residido legalmente na Itália por, no mínimo, dois anos consecutivos antes do nascimento do filho, mesmo se possuírem dupla cidadania.
Anteriormente, o governo italiano chegou a estipular no decreto que o pai ou avô do interessado em obter a cidadania teria que ter nascido em solo italiano, mas essa regra foi retirada nas dicussões no Senado e na Câmara.
A nova regra vale apenas para pedidos de cidadania protocolados após 28 de março de 2025, quando o primeiro decreto foi editado. Os processos protocolados antes dessa data seguem as regras anteriores. Quem obteve a cidadania antes disso também não perde o direito.
Além disso, os consulados da Itália no exterior, inclusive no Brasil, não vão mais processar agendamento para novos pedidos de cidadania. A partir de agora, a solicitação deverá ser feita pela via judicial na Itália.
O governo argumenta que a proposta vai aliviar os consulados e prefeituras italianas de processar milhares de pedidos que chegam todos os anos. Atualmente, ao menos 60 mil solicitações estão em análise pela burocracia italiana.
Governo critica comercialização do passaporte e salto de pedidos
Ao anunciar o decreto original em março, o ministro Antonio Tajani afirmou que o número de italianos nascidos ou residentes no exterior aumentou 40% na última década, de 4,6 milhões para 6,4 milhões. Na América do Sul, o número de descendentes com nacionalidade reconhecida passou de 800 mil para mais de dois milhões nos últimos 20 anos.
Na Argentina, os pedidos de cidadania italiana concedidos passaram de 20.000, em 2023, para 30.000 em 2024. No Brasil, as solicitações aprovadas saltaram de 14.000 em 2022 para 20.000 no ano passado. No país, há diversos relatos de cidadãos que aguardam anos na fila do atendimento para conseguirem solicitar o benefício. Na Venezuela foram quase 8.000 pedidos aprovados em 2023.
A Itália tem uma população de cerca de 59 milhões de pessoas, que vem diminuindo na última década. O Ministério das Relações Exteriores estimou que, sob as regras antigas, de 60 a 80 milhões de pessoas no mundo poderiam ser elegíveis para a cidadania italiana.
Tajani defendeu ainda que a norma combate empresas que lucram ao ajudar pessoas a rastrear seus ancestrais e buscar certidões de nascimento necessárias para os pedidos – sobrecarregando os cartórios municipais com demandas por documentação.
“Estamos agindo de forma muito rigorosa contra aqueles que querem ganhar dinheiro com a oportunidade de se tornarem cidadãos italianos”, disse Tajani.
“Infelizmente, nos últimos anos, houve abusos que foram além do interesse real em nosso país”, continuou o ministro.
Atualização da lei afeta brasileiros
Somente no Brasil, que contabiliza 150 anos de imigração italiana, há 32 milhões de brasileiros com ascendência italiana, segundo a embaixada da Itália.
O vice-primeiro-ministro e ministro das Relações Exteriores da Itália, Antonio Tajani — idealizador da proposta — disse em uma coletiva de imprensa, em março, que os pedidos de cidadania se multiplicaram, muitas vezes com base em ascendência muito distante, e que havia uma “comercialização” do passaporte italiano.
Críticos diziam que os pedidos se multiplicavam e afetavam o trabalho de consulados e prefeituras.
O texto da lei destaca que esse fenômeno é “particularmente significativo” na América do Sul, devido aos grandes fluxos migratórios de italianos no final do século 19 e no pós-Segunda Guerra Mundial.
Tajani explicou que a população de italianos no exterior cresceu 40% na última década, passando de 4,6 milhões para 6,4 milhões — especialmente na América do Sul, onde, nos últimos 20 anos, o número passou de 800 mil para mais de dois milhões.
A nova regra vai afetar diretamente milhares de brasileiros, cujas solicitações aprovadas saltaram de 14 mil em 2022 para 20 mil no ano passado.
Novas regras de imigração
As críticas sobre o antigo modelo de cidadania por ancestralidade partem principalmente de movimentos conservadores, que afirmam que o sistema é injusto, pois concede o benefício a pessoas sem vínculo significativo com a Itália. Por outro lado, filhos de imigrantes nascidos e criados no país, precisam esperar até os 18 anos para poder solicitar um passaporte.
A nova lei segue políticas anunciadas pela premiê italiana, Giorgia Meloni, que lidera um partido de ultradireita. Também nesta sexta-feira, seu gabinete afirmou que usará duas instalações administradas pela Itália localizadas perto da costa da Albânia como centros de deportação.