O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Gilberto Kassab, presidente do PSD, trocaram farpas publicamente em um embate que abre — ou revela — uma ferida na base de apoio do governo federal.
O dirigente chamou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de “fraco”, e projetou uma derrota de Lula nas urnas caso as eleições presidenciais ocorressem hoje. O petista ironizou o diagnóstico do ex-prefeito de São Paulo: “Olhei no calendário e vi que a eleição é só daqui a dois anos, então fiquei despreocupado”.
Neste texto, o site IstoÉ recapitula os principais fatos que ajudam a explicar o entrevero.
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Em múltiplas frentes
Na eleição presidencial de 2022, Kassab liberou os filiados do PSD para apoiarem Lula ou Jair Bolsonaro (PL) entre primeiro e segundo turnos, depois de ver frustradas as tentativas de filiar o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), ou lançar o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) na corrida.
A decisão foi movida pela heterogeneidade do partido, que não é “nem de direita, nem de esquerda, nem de centro” e, como tal, abriga lulistas em estados como Rio de Janeiro e Bahia e bolsonaristas em outros, como Paraná e São Paulo. “Diante das opções existentes, haveria preferências diversas no partido não apenas quando consideramos o Brasil, mas em instâncias partidárias dentro de estados e, até, de municípios”, justificou o manda-chuva.
A postura permitiu que, após a campanha, Kassab assumisse a secretaria de governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), ex-ministro de Bolsonaro, em São Paulo, enquanto negociava espaços com o Palácio do Planalto. Os pessedistas Alexandre Silveira, André de Paula e Carlos Fávaro assumiram os ministérios de Minas e Energia, Pesca e Aquicultura e Agricultura, respectivamente.
Em dois anos de Lula na Presidência, Otto Alencar (MG), Omar Aziz (AM) e Eliziane Gama (MA) estão na ‘linha de frente’ da base governista no Senado, e o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (MG), se transformou em um aliado estratégico para o Planalto. Já na Câmara, a bancada do PSD mantém uma relação turva com a gestão petista.
Ocorre que, enquanto Silveira e Fávaro eram senadores e, portanto, representam essa bancada, os deputados do PSD (45 ao todo) são representados na Esplanada apenas por André de Paula, à frente de uma pasta de menor orçamento e expressão.
Movimento calculado
Os demonstrativos do desagrado foram dados não apenas em votações, mas também em manifestações públicas de deputados. Mas, ao menos publicamente, nunca tinham chegado ao comandante da agremiação. Conhecido pelas boas relações com governos de todos os espectros — já foi ministro com Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) –, Kassab nunca teve as críticas públicas como parte de seu portfólio.
Para analistas, o movimento serve para cobrar maior espaço ao PSD no governo. Conforme reportou o PlatôBR, o presidente deve promover uma reforma ministerial ainda no primeiro trimestre de 2025, com o objetivo de alavancar apoio no Congresso e aprovar medidas que possam reverter a queda de popularidade da gestão.
O cenário de fragilidade do governo, agravado pelas idas e vindas nas regras de fiscalização do Pix — justamente com Haddad como personagem central — e mostrado por essas pesquisas, cria condições propícias para que as siglas do centro à direita, mais que habituadas à mesa de negociação, façam suas cobranças.
Com 11 pastas distribuídos entre PSD (3), União Brasil (3), MDB (3), Republicanos (1) e PP (1), o PT comanda todos os cargos palacianos — aqueles que trabalham diretamente com o chefe do Executivo — e está à frente de 13 dos 39 ministérios, em lista que inclui os de maior visibilidade e sinaliza uma contradição com o discurso de “frente ampla” que ancorou Lula na campanha presidencial.
O jornal Folha de S. Paulo reportou que a bancada do PSD na Câmara indicou ao presidente sua insatisfação com a configuração e avaliou o deputado Antônio Brito (BA) para assumir o Desenvolvimento Social, hoje chefiado pelo ex-governador petista Wellington Dias. A sigla, no entanto, vê suas demandas ameaçadas pela eventual chegada de Arthur Lira (PP-AL), em fim de mandato na presidência da Câmara, à Esplanada.
“A crítica pública a uma gestão que enfrenta problemas de governabilidade é uma ferramenta para mostrar que, sem o PSD, o cenário poderia ser ainda pior. Na prática, é uma cobrança por espaço”, disse ao site IstoÉ Marco Antônio Teixeira, professor do mestrado em gestão e políticas públicas da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas).
Luciana Santana, cientista política e professora da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), avaliou que a melhoria dessa relação depende de um cálculo de contrapartidas. “Há uma desproporção na distribuição de poder [por parte do Planalto], que deve ser corrigida na reforma ministerial. Ao mesmo tempo, um governo de coalizão pressupõe que, em troca dos espaços de poder, os partidos ofereçam sustentação no Congresso”, afirmou ao site IstoÉ.
“As condições para recuperar o capital político e conquistar uma conciliação bem-sucedida com o PSD dependem, em primeiro lugar, do governo federal estar disposto a compartilhar melhor o poder“, concluiu Santana.
Para Teixeira, Kassab adota uma estratégia inteligente em busca desse compartilhamento. “Por ter ‘um pé em cada canoa’ e estar ligado a todos os governos importantes do país, ele está numa situação muito tranquila para fazer essa exigência de forma contundente, mirando na espinha dorsal do governo, que é a economia“, afirmou.
No mesmo encontro no qual mirou em Haddad e Lula, o dirigente voltou a elogiar o governador do Paraná, Ratinho Júnior, de seu PSD, a quem citou como potencial presidenciável em 2026. “Kassab não dá ponto sem nó“, diagnosticou o professor da FGV.