O que Mauro Cid, ex-auxiliar de Bolsonaro, disse em delação à PF

O que Mauro Cid, ex-auxiliar de Bolsonaro, disse em delação à PF

"DefesaDelação de ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro é peça fundamental em investigação de trama golpista para anular eleições de 2022. Segundo ministro Moraes, sigilo já não é mais necessário.O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), tornou pública nesta quarta-feira (19/02) a delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro.

O acordo – que a defesa de Bolsonaro chama de "fantasioso" – é peça fundamental da investigação sobre a trama golpista que, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), foi gestada por Bolsonaro e assessorespara mantê-lo no poder após a derrota nas eleições de 2022.

Na véspera, a PGR havia denunciado o ex-presidente e outras 32 pessoas por tentativa de golpe de Estado, entre outros crimes. Caso o STF acate a peça, os denunciados passam à condição de réus.

A delação de Cid também subsidia outras investigações contra o ex-presidente, como a que apura fraude nos cartões de vacinação da covid-19 dele e de familiares, bem como a venda de joias e relógios entregues à Presidência por autoridades estrangeiras.

Segundo Moraes, o sigilo da delação já não é mais necessário "nem para preservar os direitos assegurados ao colaborador, nem para garantir o êxito das investigações" – até então, as defesas dos suspeitos se queixavam de não terem tido pleno acesso ao documento.

Veja, abaixo, os principais pontos da delação de Cid.

Bolsonaro e a minuta do golpe

Com base na delação de Mauro Cid, a Polícia Federal (PF) atribui ao ex-assessor especial de Assuntos Internacionais Filipe Martins a autoria de um primeiro esboço da chamada "minuta do golpe", um documento apresentado a Bolsonaro com propostas para subverter a ordem democrática.

O documento previa a prisão de diversas autoridades, incluindo a dos ministros do STF Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, além da prisão do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. À PF, Cid disse que Bolsonaro discutiu o documentocom a cúpula das Forças Armadas.

O ex-auxiliar afirma ter visto o presidente editar o texto, mantendo apenas dois pontos principais: a prisão de Moraes e a realização de novas eleições. Segundo Cid, o próprio Bolsonaro teria apresentado a minuta ao então comandante de Operações Terrestres do Exército, general Estevam Theophilo, numa reunião em 9 de dezembro de 2022.

De Theophilo, Cid teria ouvido que as Forças Armadas cumpririam o decreto caso Bolsonaro o assinasse.

Dinheiro de Braga Netto

À PF, Cid também incriminou o ex-ministro da Defesa e candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro em 2022, general Braga Netto. O ex-auxiliar disse ter recebido dinheiro dele no Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República.

A verba, entregue dentro de uma sacola de vinho, teria sido repassada ao militar Rafael Martins de Oliveira, do grupo "kids pretos", e seria destinada à organização das ações golpistas.

Família de Bolsonaro dividida sobre golpe

Segundo o blog da Andréia Sadi, no G1, Cid apontou que os planos golpistas não seriam unanimidade na família Bolsonaro. Enquanto o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) era contra um golpe de Estado, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) apoiava a ideia e era um de seus mais radicais defensores, assim como a ex-primeira dama, Michelle Bolsonaro.

Bolsonaro teria agido para evitar prisão de apoiadores

Cid também afirmou que Bolsonaro abrigou dois influenciadores bolsonaristas no Palácio da Alvorada e ordenado o transporte de um terceiro, o blogueiro Oswaldo Eustáquio, num carro da Presidência, para evitar que eles fossem presos.

Os três estavam acampados em quartéis e teriam ligado para o ex-presidente para pedir ajuda após um outro militante bolsonarista, o cacique Serere Xavante, ser detido por tentar invadir a sede da PF.

Bolsonaro e a desconfiança nas urnas eletrônicas

Segundo Cid, Bolsonaro sempre alimentou desconfiança sobre as urnas eletrônicas, e o "gabinete do ódio" fazia parte dessa estratégia.

O militar afirma que a estrutura que operava de dentro do Palácio do Planalto era formada por "três garotos" e gerida por um dos filhos do presidente, o vereador carioca Carlos Bolsonaro (PL-RJ). "Era o Carlos quem ditava o que eles teriam que colocar."

Para fazer o conteúdo reverberar nas redes, o grupo recorria a influenciadores ligados ao presidente, que atuavam como multiplicadores da pauta bolsonarista.

Cartão de vacinação da Covid falsificado a mando de Bolsonaro

Embora não tenha se vacinado contra a covid-19, o ex-presidente teria dado ordens para a falsificação de certificados de imunização em nome dele e de sua filha, para usá-los em caso de necessidade, como viagens internacionais.

Pouco antes de deixar a Presidência, Bolsonaro viajou para os Estados Unidos, no dia 30 de dezembro, com a esposa e a filha. Mas, como ele viajou com passaporte diplomático, não precisaria, de acordo com as regras americanas, apresentar comprovante de vacinação.

Venda de presentes

Cid afirmou ainda à PF que ele e seu pai, o também militar Mauro Cesar Lourena Cid, repassaram 78 mil dólares (R$ 446 mil, no câmbio atual) a Bolsonaro entre 2022 e 2023. O dinheiro teria sido obtido com a venda de joias presenteadas a Bolsonaro enquanto ele era presidente.

Lourena Cid é acusado de ter sido operador de Bolsonaro e ocultado dinheiro das joias. Ele teria guardado alguns desses presentes e oferecido-os a possíveis compradores.

Segundo Mauro Cid, Bolsoanro também teria manifestado a intenção de usar os recursos com a venda de parte desses presentes para pagar multas de trânsito por não usar capacete durante suas "motociatas" e cobrir uma indenização pedida na Justiça pela deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), segundo o portal Metrópoles.

O que Mauro Cid ganha

Se não descumprir os termos do acordo de delação premiada, Mauro Cid será beneficiado com o perdão judicial ou uma pena privativa de liberdade inferior a dois anos – caberá ao STF decidir se um ou outro.

Segundo o jornal Folha de S.Paulo, Cid negociou o acordo para salvar sua carreira no Exército e garantir benefícios que perderia se fosse expulso da instituição – destino reservado a militares condenados a mais de dois anos de prisão.

Se for expulso do Exército, Cid deixa de poder se aposentar pela instituição, perdendo salário e benefícios.

Ainda segundo a Folha, Cid também queria evitar que as investigações da PF respingassem em sua família. Por isso, os benefícios acordados por ele foram estendidos ao pai, à esposa e à filha mais velha.

Como parte do acordo, Cid também ganhou proteção da PF.

O que acontece em caso de descumprimento

O acordo de Mauro Cid impõe a ele o dever de "falar a verdade incondicionalmente em todas as investigações" e "esclarecer espontaneamente todos os crimes que praticou". Ele também tem o dever de informar a PF sobre qualquer contato com outros investigados por suspeita de envolvimento na trama golpista de 2022, e se comprometeu a restituir bens e valores apreendidos ao longo da investigação.

A delação quase foi anulada no início de 2024, após a revista Veja divulgar áudios em que Cid criticava o ministro Alexandre de Moraes, do STF, e dizia estar sob pressão da PF para delatar coisas que não sabia.

Convocado por Moraes a prestar esclarecimentos, Cid disse que os áudios eram uma conversa "particular", e que as declarações dele não correspondiam à verdade.

Depois, no final de 2024, a PF acusou Cid de se contradizer em seus depoimentos e prestar informações falsas. Perante Moraes, porém, o militar deu novos detalhes sobre o envolvimento do general Braga Netto nos planos golpistas. À PF, Cid insiste que não participou de "nenhum planejamento detalhado" de tentativa de golpe.

A lei brasileira prevê a perda de benefícios caso o acordo de delação seja rescindido por alguma falha do delator. As informações prestadas nos depoimentos, contudo, continuam válidas para a Justiça.

A palavra do delator, sozinha, não basta para fundamentar uma condenação. A denúncia da PGR sobre a trama golpista, por exemplo, traz diversos outros elementos de prova, como vídeos, anotações, mensagens de WhatsApp e registros de frequência em prédios públicos.

ra/av (Agência Brasil, ots)