O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já começou a pavimentar a reforma ministerial para a segunda metade do seu governo, mas ainda deverá esperar mais alguns meses para completar as trocas no Palácio do Planalto. Para conseguir agradar “gregos e troianos”, Lula terá que alocar nomes de partidos aliados e até a presidente de sua própria legenda, a deputada federal Gleisi Hoffmann.
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Gleisi tende a ser a única que não será nomeada neste começo de ano. Ela ainda está no comando do PT até a metade do ano e, mesmo pressionada, não dá sinais de que deve deixar a cadeira antes do prazo.
O favorito para presidir o partido no próximo biênio é o ex-prefeito de Araraquara Edinho Silva, que chegou a ser cotado para um ministério palaciano, mas precisou recuar em troca da eleição na legenda.
Além de forte aliada de Lula, Gleisi é vista como a responsável por tirar o partido dos frangalhos provocados pela operação Lava Jato. Sob seu comando, o PT retornou à presidência da República e conseguiu aumentar o número de prefeituras em relação às eleições de 2020. O fracasso ficou nas capitais, com o partido ganhando apenas em Fortaleza (CE).
O nome da deputada já era especulado no Palácio do Planalto ainda no governo de transição. Lula queria a parlamentar em algum ministério a todo custo, mas ela mesma recusou o cargo para se manter no comando do PT.
Com a saída dela da presidência petista, não haveria obstáculos para que, enfim, ela fosse colocada em algum ministério.
O nome de Gleisi foi ventilado para a Secretaria-Geral da Presidência da República, hoje ocupada por Márcio Macedo. O ministro é questionado por interlocutores próximos a Lula, principalmente pela falta de articulação com os movimentos sociais, como os atos esvaziados do Dia do Trabalhador no ano passado.
Entretanto, a presidente do PT vai disputar a vaga com Paulo Pimenta, que deixou a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) em prol de Sidônio Palmeira. Pimenta também é cotado para assumir um cargo na liderança do governo na Câmara dos Deputados.
Para abraçar Gleisi no Planalto, Lula também cogita alterar o Ministério do Desenvolvimento Social, uma das pastas com maior valor orçamentário e responsável pelo Bolsa Família, além de outros programas sociais. Neste último caso, a medida só seria tomada no futuro.
O xadrez de Lula
Para efetivar a reforma ministerial, Lula terá que ser cirúrgico em suas decisões. A principal estratégia está em disponibilizar ministérios importantes para seus principais aliados, mas garantir os espaços necessários para outros partidos e até membros do PT visando às eleições de 2026. Esse é o ponto que deve afetar Gleisi Hoffmann.
Especialistas ouvidos pelo site IstoÉ acreditam que o destino da deputada será a Secretaria-Geral da Presidência. A parlamentar tem um perfil mais estratégico e poderia ajudar Lula com temas relevantes dentro do Palácio do Planalto.
“Eu, particularmente, acredito que é mais fácil, pelo próprio perfil da Gleisi Hoffmann, ela assumir a Secretaria-Geral da Presidência da República. Dentre os demais ministros do quadro do PT especificamente, ela é absolutamente simbólica, com a posição mais firme, mais radical na defesa do partido, dos interesses, das correntes do partido e também do próprio presidente Lula, inclusive dentro dos momentos mais difíceis”, avalia Robson Carvalho, cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB).
“A Gleisi Hoffmann seria um nome de interlocução com esses diversos canais internos ao governo e seria o nome da escuta direta e pessoal do presidente da República”, completa.
Ele avalia que Gleisi se sairia melhor no comando da pasta que Paulo Pimenta, enquanto o ex-ministro da Secom se daria melhor chefiando a liderança do governo na Câmara dos Deputados. Robson acredita que esse cenário facilitaria as articulações do governo e atenderia todos os lados.
“Acho que o Paulo Pimenta será mais importante na articulação do governo na Câmara dos Deputados. Ele tem boa interlocução e pode ajudar a reduzir a fragilidade do governo entre os deputados. A Gleisi no Planalto pode reforçar a equipe próxima de Lula e fortalecer o governo”.
A opinião vai de encontro com a do cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV-EAESP) Eduardo Grin. Ele também acredita que Gleisi deverá seguir para a SGPR, mas aponta uma estratégia política por trás da escolha.
Na avaliação dele, tirar Wellington Dias do Desenvolvimento Social seria uma sinalização de desvalorização dos eleitores nordestinos, podendo prejudicar a campanha à reeleição do governador Rafael Fonteles (PT) no estado.
“A saída de Wellington Dias acho que significaria um desprestígio com o Nordeste. Pensa no seu terceiro governo consecutivo, no Piauí, e tem chances reais de que o Rafael Fonteles seja eleito no primeiro turno no ano que vem nas eleições. O Desenvolvimento Social é um cartão de visita do PT, acho difícil tirar o atual ministro de lá”, afirma.
“Dentro desse cenário todo, acredito que Lula vai colocar a Gleisi perto dele. Ela, por ser uma pessoa que o Lula confia muito, vai trabalhar diretamente vinculada a ele no Palácio do Planalto. Lula tem muita confiança naquilo que a Gleisi pode fazer”, ressalta.
Lula ganha
A chegada de Gleisi Hoffmann pode resolver dois problemas para Lula em uma única cartada. Além de ter uma pessoa com forte interlocução, o petista poderá reduzir o poder de Rui Costa, ministro da Casa Civil, o mais próximo de seu gabinete.
Lula tem um estilo de ouvir divergências de seus ministros para tomar uma decisão sobre os rumos do país. Atualmente, o chefe do Planalto não tem esse debate.
Alexandre Padilha (Relações Institucionais) está focado na articulação fragilizada do governo com o Congresso Nacional, enquanto Márcio Macedo caiu em descrédito na cúpula presidencial. Isso abriu caminho para Rui Costa ganhar um poder quase que único — em disputa de protagonismo com Fernando Haddad (Fazenda) — dentro do Palácio.
Na avaliação de Eduardo Grin, a chegada de Gleisi Hoffmann pode mudar o cenário. Ele acredita que Lula pode recuperar os tempos áureos de seus dois primeiros governos e colocar a deputada para contrapor o ministro da Casa Civil, reduzindo seu poder.
“E ela vai trabalhar, inclusive, acho eu, até de certa maneira como um contraponto hoje ao papel muito alargado, vou dizer assim, que o Rui Costa tem dentro do governo. Rui Costa hoje ocupa uma relação com o Lula que, de certa maneira, reduz um pouco a possibilidade de o Lula ter um segundo contraditório dentro do governo. A Gleisi Hoffmann tem muito mais estatura política para fazer esse papel. Lula está pensando nesse sentido de reforçar a cozinha do seu governo, reforçar a antessala do seu gabinete”, explica.
Lula perde
Como todo ganho, Lula também poderá ter perdas, a depender do comportamento da possível nova ministra. Com perfil controlador e centralizador, Gleisi Hoffmann pode enfrentar algumas resistências.
Quando comandou a Casa Civil durante o governo Dilma Rousseff (PT), a deputada sofreu com reclamações de interlocutores sobre seu perfil de embate. Na avaliação, esse perfil pode atrapalhar as relações, provocando disputas internas no Planalto.
“A Gleisi tromba muito. Ela, às vezes, tem um estilo de fazer política muito agressivo. Ela, às vezes, tem dificuldade em construir alguns vácuos, alianças”, ressalta Grin.
“E o histórico dela na Casa Civil, quando ela era ministra da Dilma, mostrou que não era uma relação tão tranquila que ela tinha, sobretudo com outras áreas do governo, que julgavam que, às vezes, o tratamento não era bom, um pouco truculento em certo sentido. E isso pode, portanto, abrir, inclusive, aí uma disputa interna.”
Outro fator que pode atrapalhar é o perfil opinativo da presidente do PT. Durante os dois primeiros anos de mandato de Lula, Gleisi protagonizou polêmicas, sendo que algumas incomodaram a alta cúpula do Planalto.
A deputada criticou parte das medidas fiscais e a condução econômica de Fernando Haddad, além de fazer severas críticas ao ex-presidente do Banco Central Roberto Campos Neto. Ela ainda assinou uma carta, pela presidência do PT, que atestava a eleição de Nicolás Maduro na Venezuela, sendo que o governo brasileiro evitava entrar na discussão e não reconhecia a vitória do ditador.
Os especialistas acreditam que a nova ministra teria que recuar dos posicionamentos e segurar as bombas que podem cair no colo dela em caso de críticas ao governo. Caso contrário, os conflitos poderão escalar, podendo afetar a campanha de Lula à reeleição em 2026.