Matutar, verbo tipicamente mineiro, significa meditar, refletir, planejar e permitir que qualquer questão, mesmo a mais complexa, amadureça naturalmente. É isso o que faz hoje o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, personagem central para a definição do jogo político brasileiro. “Tem gente disputando o espólio do Lula. E eu tô só olhando e matutando. Até achava que não queria ser candidato mais. Mas agora sei que se tem um partido que pode recuperar a autoestima do País é o PT”, disse Lula, na festa de 38 anos do PT, na quinta-feira 22, em São Paulo.

Um dia antes, ao lançar a sua pré-candidatura, Lula soltou uma frase ainda mais enigmática. “Não sei o que vai acontecer na Justiça. Quero dizer que não respeito a decisão que foi tomada contra mim porque sei que ela é mentirosa, ela é política, e ela não está baseada nos autos do processo. Por isso, quero dizer: estou candidato”, afirmou. Como há uma distância gigantesca entre ser e estar, Lula optou pelo verbo que indica sua conformidade com a decisão judicial que vier a ser tomada no âmbito eleitoral – mesmo que a aponte politicamente motivada.

Lula, portanto, está candidato. Mas como ninguém sabe se ele estará candidato em outubro desse ano, seus potenciais aliados já se exasperam. Guilherme Boulos, que não disputaria a eleição se o nome de Lula estivesse na urna, praticamente já se lançou pelo Psol, assim como Manuela D’Ávila, pelo PCdoB. E Ciro Gomes, do PDT, fez um apelo público para que Lula desista e empreste seu apoio a uma frente ampla de caráter nacionalista. No mesmo dia, jantou com o ex-prefeito Fernando Haddad e disse que a chapa Ciro-Haddad seria a sua composição dos sonhos. Um dia depois, abriu negociações com Marina Silva, blefando ou indicando que tem alternativas.

Ocorre que Lula se mostra mais paciente do que todos os demais jogadores. Mesmo correndo contra um tempo que rapidamente se esgota para a análise de seus recursos em segunda instância, ele demonstra não ter medo de uma eventual prisão e joga para seus adversários a responsabilidade de mais uma violência. “Quem quiser me julgar vai arcar com a responsabilidade de pagar o preço histórico pelo erro cometido”, lembra Lula. Ainda assim, suas frases podem ser interpretadas. Estar candidato não é o mesmo que ser candidato. Mas se houver uma substituição, em algum momento, Lula indica que o protagonismo será do PT, que ele considera “o único partido capaz de recuperar a autoestima” do Brasil.

Quando afirma que podem prender sua carne, mas não suas ideias, e que também existem milhões de Lulas, o ex-presidente sinaliza que, no momento adequado, saberá usar seu cacife político. Segundo a mais recente pesquisa Datafolha, 27% dos eleitores votarão – com certeza – em quem Lula indicar e outros 17% poderão votar. O primeiro número coloca qualquer um no segundo turno. A soma dos dois pode até garantir uma vitória em primeiro turno. Portanto, quem tem as cartas na mão é justamente Lula. E ele vai matutar o tempo que for necessário.

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