O 7 de Setembro está acabando e a pergunta que mais importa é esta: ele mudou a opinião do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, a respeito do impeachment?

Se isso aconteceu, abre-se uma perspectiva para que o Brasil volte a tratar dos problemas econômicos e sociais que o afligem de verdade. Caso contrário, o país continuará refém da agenda perversa de Jair Bolsonaro, paralisado sob a ameaça permanente de uma ruptura institucional.

Há motivos para que Lira reveja a sua opinião? Claro que sim. Ao discursar em São Paulo, Bolsonaro voltou a atacar de maneira contundente o sistema eleitoral brasileiro. Ele havia prometido que o assunto estaria encerrado depois da sua apreciação pela Câmara dos Deputados. Por causa disso, Lira fez a discussão andar, deixando clara sua expectativa de que a promessa fosse cumprida, para que outros projetos pudessem ocupar a pauta no parlamento. Mas não foi o que aconteceu. Hoje, Bolsonaro traiu seu aliado. Mostrou que não pretende deixar para trás a ideia do voto impresso e da contagem pública de votos.

Bolsonaro também afrontou de todas as maneiras possíveis o Supremo Tribunal Federal. Transformou Alexandre de Moraes em inimigo público número um, chamando-o de canalha. E continuou insuflando o ânimo de apoiadores que pedem uma intervenção na corte.

A novidade do dia foi a proposta de convocar o Conselho da República, um órgão consultivo ao qual compete deliberar sobre intervenções federais, estado de defesa e estado de sítio, além de “questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas”. Entre o discurso de Bolsonaro em Brasília e sua chegada a São Paulo, a ideia parece ter sido abandonada, por motivos óbvios: ela indicava o propósito de buscar uma solução radical para as dificuldades políticas do presidente.

Não é pouca coisa. Lira agora não tem mais como se fingir de morto. Bolsonaro deixou claro que vai usar todos os segundos que lhe restam no governo para minar as instituições e abrir caminho para um golpe de Estado. Não hesitará em trair e atropelar o próprio Lira, se necessário.

Mas o presidente da Câmara já deu fartas demonstrações de ser um cínico. Por isso, encontrará argumentos, se quiser permanecer inerte.

Antecipo um deles. O bolsonarismo realmente foi às ruas em peso neste 7 de Setembro. Deu ao presidente a foto que ele tanto desejava, mostrando que tem seguidores em bom número e, mais importante, mobilizados. E deu a Lira a possibilidade de dizer que a multidão na rua, mesmo não sendo a maioria do eleitorado brasileiro, mesmo sendo apenas uma minoria vociferante, torna inviável a abertura do impeachment.

Chegou a hora de pararmos de nos questionar sobre Bolsonaro. Não existe mais nenhum enigma. Enquanto estiver no poder, ele será um presidente perigoso, inconfiável, um agente provocador que tem como único desígnio submeter o país inteiro à sua vontade.

Vamos também deixar que os bolsonaristas voltem para casa e durmam felizes.

Neste momento, todos os olhos têm de estar voltados para Arthur Lira. Ele é quem deve responder se pretende ser um “collabo”, mantendo o país no inferno por outros dezesseis meses, ou se vai pôr um freio na loucura de Bolsonaro.

O presidente da Câmara tem de dar uma resposta. Não é possível deixar que se esquive.

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PS: A palavra “collabo”, que usei neste post, designa os franceses que colaboraram com os nazistas e com o regime autoritário do Marechal Philippe Pétain, durante a Segunda Guerra Mundial. Num post anterior, já havia chamado Arthur Lira de “nosso Pierre Laval”. Laval foi o braço direito de Pétain, o homem que de fato tocava as questões de um governo cujo lema era “Trabalho, Família e Pátria”.