Com prejuízos bilionários e perda de relevância, a estatal que durante séculos conectou o Brasil enfrenta uma encruzilhada entre obsolescência, concorrência e papel social.Mais do que uma empresa de logística, os Correios cumprem uma função social e pública de integração nacional, levando correspondências, medicamentos e documentos a locais onde a atuação comercial do setor privado não seria economicamente viável. Em cidades pequenas e regiões isoladas, o carteiro é, muitas vezes, o único representante visível do Estado.
Esse símbolo da integração brasileira, porém, passa pela maior crise da sua história, em meio ao aumento da concorrência privada, má gestão e uma necessidade de atender a todos os municípios brasileiros que, em sua grande maioria, não dão lucro à empresa. Agora, a estatal negocia um empréstimo de R$ 20 bilhões, com garantia do Tesouro Nacional, para custear as operações e tentar se reerguer após anos seguidos de déficits no balanço.
"Pedir um empréstimo quase do tamanho da própria receita é como tomar um remédio que pode matar o paciente…é, na prática, um socorro estatal para adiar o colapso", avalia Carlos Honorato, mestre em administração pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da FIA Business School.
Procurados, os Correios informaram que a operação está desenhada "para permitir a execução integral do plano de reestruturação, que prevê equilíbrio financeiro já a partir de 2027".
Crise sem fim
A necessidade de capital para financiar a operação dos Correios ocorre após anos seguidos operando no vermelho. A DW analisou os últimos cinco balanços da empresa: após o boom do e-commerce dar lucros seguidos em 2020 e 2021, a companhia passou a amargar prejuízos seguidos nos últimos três anos.
Apenas em 2024, o prejuízo dos Correios quadruplicou na comparação com o ano anterior, chegando a R$ 2,5 bilhões. Já nos seis primeiros meses deste ano, o prejuízo avançou a 4,3 bilhões.
Segundo especialistas, o quadro de estresse financeiro ocorre por diversos motivos. Um deles é a queda nos envios de cartas, onde os Correios possuem exclusividade, e no aumento da competição pelas entregas de compras feitas de forma online – nicho com melhores margens.
"A digitalização reduziu a correspondência tradicional a apenas 14% do faturamento, um nicho irrelevante num mundo de e-mails e mensagens instantâneas. Mas o golpe fatal veio da concorrência no e-commerce: gigantes como Mercado Livre, Loggi e Amazon criaram redes próprias, tomando market share e acelerando o declínio", afirma Honorato.
Monopólio sim, mas pequeno
De acordo com a Lei nº 6.538/1978, que regula os serviços postais no Brasil, os Correios mantêm o monopólio legal apenas sobre o envio de cartas pessoais e comerciais, cartões-postais e correspondências agrupadas (malotes).
Já o envio de encomendas e serviços de logística de pacotes não está sujeito à exclusividade estatal e pode ser explorado por empresas privadas, setor que hoje concentra as atividades mais rentáveis do mercado postal.
"A isso somam-se decisões gerenciais ruins, cortes em investimentos, frota sucateada e um passivo trabalhista que já beira R$ 700 milhões em 2025. É uma empresa que gasta mais com processos do que com inovação", completa Honorato.
Não à toa, a necessidade de demissões voluntárias, venda de ativos ociosos e empréstimos. Para o novo presidente dos Correios, Emmanoel Rondon, no cargo há menos de um mês, a injeção de capital busca resolver os gargalos da queda de competitividade e, consequentemente, da perda de clientes, impactando a saúde financeira da companhia.
"A nossa empresa não se adaptou de forma ágil a uma nova realidade e isso fez com que a gente sofresse em termos de resultados, de geração de caixa e da operação em si. Então, nos últimos anos, o que vem acontecendo na empresa é que a perda de competitividade vem fazendo com que a gente tenha perda de receitas", disse Rondon à Agência Brasil.
Para Ana Lucia Pinto Silva, professora de economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o socorro deve ser feito em conjunto com uma reformulação das atividades para que a empresa não tenha apenas um alívio paliativo.
"Por exemplo, considerando que o empréstimo é de R$ 20 bilhões e aplicando uma taxa de juros de 15% ao ano, mesmo em um cenário otimista, isso representaria uma despesa financeira adicional de cerca de R$ 2 bilhões por ano, explica. Esse valor, acrescenta ele, se somaria ao prejuízo e ao déficit operacional que a empresa já acumula anualmente", diz.
Apesar dos desafios, a iniciativa do governo em buscar uma solução para a crise, é vista com bons olhos pelos representantes dos trabalhadores dos Correios.
Emerson Marinho, dirigente da federação dos trabalhadores dos Correios (Fentect), cita que os Correios foram prejudicados por decisões políticas e administrativas adotadas nos últimos anos, incluindo o imposto de importação que ficou conhecido como "taxa das blusinhas", que afetou diretamente as receitas provenientes do desembaraço aduaneiro de encomendas internacionais, além das mudanças na legislação trabalhista, que favoreceram concorrentes privados.
"É uma situação completamente diferente competir com empresas de logística que não oferecem garantias trabalhistas ou direitos sociais aos seus empregados, ao contrário do que ocorre com os Correios, cuja estrutura mantém todos os vínculos e responsabilidades previstos em lei", afirma.
Função social
Para além dos desafios comuns a uma grande empresa, os Correios têm ainda a obrigação constitucional e legal de garantir o serviço postal universal, ou seja, entregas regulares e acessíveis em todo o território nacional, independentemente de lucro.
Isso significa que a empresa deve operar até mesmo em locais onde a atuação não seria economicamente viável para transportadoras privadas, como comunidades ribeirinhas, áreas rurais da Amazônia ou vilarejos no Brasil profundo, por exemplo.
"A manutenção do serviço postal universal tem um custo estimado em cerca de R$ 6 bilhões, explica. Desse total, os Correios arcam com aproximadamente R$ 4,3 bilhões por conta própria para garantir que o serviço chegue a todo o território nacional – uma obrigação legal e institucional da empresa", diz Marinho.
Especialistas são unânimes em apontar os pontos positivos da manutenção da função social da empresa. Mas não às custas do prejuízo na operação da empresa. "O papel social deve ser preservado, mas via subsídio direcionado, e não via sangria contínua do Tesouro. Caso contrário, o empréstimo de R$ 20 bilhões será apenas uma morfina fiscal para um paciente terminal", destaca Honorato.
Para Silva, o Brasil precisa buscar uma forma de financiar esse serviço universal, com regras e metas mais claras, revisionando anualmente os custos e, até mesmo, oferecendo parcerias público-privadas para dar viabilidade à função social da empresa.
"É necessário, portanto, criar uma forma explícita de financiamento, que assegure recursos estáveis, mas que venha acompanhada de ganhos de eficiência nos demais serviços da empresa, além de uma governança mais sólida e transparente, para que as duas frentes avancem de forma conjunta", avalia.