Ninguém entendeu nada. O que levou o Messias mandatário a uma solidariedade descabida nesse momento de afronta indiscutível à soberania territorial da Ucrânia só encontra mesmo explicação nos anais da cretinice. E o que ele quis dizer quando bradou, com todas as letras, que o Brasil se manteria neutro? Alguém pode lhe explicar que não há nada de “neutro” em ser solidário? Ou como bem alertou a diplomacia ucraniana: “imparcialidade” não se aplica quando se sabe quem é o agressor. Bolsonaro se comporta como o palhaço do circo no tabuleiro das relações internacionais. Mais uma vez. Veste o figurino padrão “macho Alfa” que não pode ir contra ofensivas armamentistas por ferir a sua natureza belicista. Basicamente é isso. No exato instante do estopim da guerra que vem tomando de assalto o Leste Europeu, de maneira insana e covarde, a ONU avisou sobre a abertura de inquérito para condenar a Rússia. E o Brasil, na condição de país-membro, precisou se posicionar claramente. O Itamaraty mostrou juízo. Nos fóruns de discussões sobre os desdobramentos do conflito teve a lucidez de colocar o País ao lado de todos aqueles que condenaram as investidas de Putin. Mas, no privado, o capitão recolheu-se a um silêncio constrangedor e inconcebível. Exibiu aquela sua faceta ética, típica de prateleira de botequim, à venda para quem lhe recebe com tapinha nas costas. Afirmou que o Brasil, sob seu comando, não seguiria as sanções americanas e europeias pelo fato de elas afetarem “nossos interesses”. Há de se perguntar de que interesses estaria ele falando? O do esterco, tantas vezes reiterado para justificar a sua viagem road show à terra de Lenin no pior dos momentos? É pouco para tanto a perder com os parceiros tradicionais, não é presidente? Não houve jeito de convencê-lo do erro de rumo e Bolsonaro acabou como esperado, “no Irajá”, diminuído ao papel de garoto-propaganda do tirano russo. A agência RIA Novosti, a serviço do Kremlin, chegou a estampar o mandatário brasileiro na capa (veja só!), como sinal de apoio de líderes ocidentais para demover a ideia das punições econômicas globais. O show de barbaridades estava apenas começando. Bolsonaro trombeteou aos quatro ventos inúmeras bravatas e comentários descabidos. Disse que “quem ganha a guerra é quem tem mais canhão”. Classificou de “exagero” o alerta de massacre contra civis, especialmente crianças, alegando que Putin estaria “apenas fazendo um esforço ali numa região que quer se aproximar da Rússia”. E ainda investiu para cima do líder da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, ironizando a trajetória profissional dele. “O povo ucraniano confiou num comediante o destino de uma nação”. Pegou muito mal. A canalhice foi manifestada pelo capitão enquanto ele próprio passava os “dias de folga” do Carnaval no Guarujá, litoral paulista, a bordo do jet ski que sempre lhe acompanha nesse roteiro de férias intermináveis. É de dar vergonha alheia a qualquer pessoa. O mundo mobilizado e tenso por um dos quadros mais críticos que se tem notícia desde a Segunda Grande Guerra, e nosso chefe de Estado se esbaldando na praia. Externamente, no concerto das nações, a declaração foi interpretada como um alinhamento tácito aos desmandos de Putin. Bolsonaro conseguiu a proeza de ferir, mais uma vez, a Constituição no que tange à defesa do direito internacional, contrariar diplomatas e, suprema desfaçatez, voltar a mentir. Foi quase inacreditável. Em uma coletiva no domingo passado, em plena ebulição dos acontecimentos, disse que ligou para Vladimir Putin para conversar por duas horas sobre a invasão. O bate-papo de colegas de arma nunca existiu. A balela levou o Itamaraty a ter de vir a público para desdizer o chefe e a emitir um comunicado falando em mal entendido. As novas trapalhadas do “mito” solidário viraram munição nas mãos dos opositores, postulantes ao cargo na corrida presidencial. Juntos, alguns deles exigiram um alinhamento do governo em favor da soberania ucraniana. Empresários foram na mesma toada, reforçando a pressão do PIB para que o presidente abandonasse a neutralidade e se juntasse aos protestos da comunidade internacional. Decerto, Bolsonaro isolou-se ainda mais, perdido no gosto por delírios bélicos. Ignorou, inclusive, os pedidos de ajuda humanitária para vítimas do conflito. O encarregado de negócios da embaixada Ucrânia em Brasília revelou que o governo federal bananeiro deixou sem respostas os apelos nesse sentido. Na prática, o presidente parece não entender que o comportamento adotado até aqui ameaça os próprios interesses brasileiros. Sua solidariedade de fanfarra vai custar muito caro a todos nós.