Em um curto período de volta à Presidência dos Estados Unidos, Donald Trump abalou as relações diplomáticas em torno da guerra entre Rússia e Ucrânia.
Desde que protagonizou um bate-boca com Volodymyr Zelensky, presidente ucraniano, no Salão Oval da Casa Branca, o republicano provocou uma onda de respostas adversas das lideranças europeias mais relevantes, dando margem a um raro cenário de oposição militar entre a Europa e a Casa Branca.
+Groenlândia e Dinamarca criticam planos expansionistas de Trump
Choque de gestão
Some tense exchange between #Trump Vance & Ukrainian President Zelenskyy pic.twitter.com/hqVBmTit9i
— Susan Li (@SusanLiTV) February 28, 2025
A discussão selou a ausência de consenso entre Trump e Zelensky quanto à manutenção do apoio militar americano contra os russos. Em três anos de conflito, a Ucrânia perdeu 11% de seu território e vê uma perspectiva ainda mais pessimista sem a ajuda bilionária que era garantida pelo ex-presidente Joe Biden.
O republicano nunca escondeu ser um crítico das práticas do antecessor. Na cadeira presidencial, demarcou a exigência uma compensação pela ajuda concedida e cortou o compartilhamento de inteligência com Kiev, que era estratégico no enfrentamento das tropas russas. Sem Washington, a Ucrânia tem poucas condições de reagir às ofensivas russas — e resta o apelo ao próprio continente.
Antes mesmo do bate-boca, Tomaz Paoliello, coordenador do mestrado em governança global e formulação de políticas internacionais da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), projetou que a autonomia europeia para se posicionar quanto à mudança de postura da Casa Branca seria definitiva para os rumos do conflito. “Ainda que sejam independentes nas demais áreas, os europeus são condicionados pelos EUA em termos estratégicos e militares. A adoção de uma posição oposta à americana era improvável”, disse à IstoÉ.
Desde então, os sinais públicos caminharam na direção dessa autonomia. Chefe de política externa da União Europeia, Kaja Kallas prometeu em publicação no X (antigo Twitter) manter o suporte oferecido aos ucranianos para “reagir ao agressor”. Na mesma linha, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, elogiou Zelensky e reiterou a continuidade do trabalho pela “justiça e paz”.
Your dignity honors the bravery of the Ukrainian people.
Be strong, be brave, be fearless.
You are never alone, dear President @ZelenskyyUa.We will continue working with you for a just and lasting peace.
— Ursula von der Leyen (@vonderleyen) February 28, 2025
O presidente da França, Emmanuel Macron, afirmou que a Rússia é “o agressor” e anunciou a manutenção da ajuda a Kiev. O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, escreveu em três idiomas que o país está com os ucranianos. No escopo das lideranças europeias, apenas Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, saiu em defesa de Trump — reforçando o alinhamento da direita radical a Vladimir Putin.
Strong men make peace, weak men make war.
Today President @realDonaldTrump stood bravely for peace. Even if it was difficult for many to digest. Thank you, Mr. President!
— Orbán Viktor (@PM_ViktorOrban) February 28, 2025
“Há uma percepção de que, se não for contida, a Rússia ameaça a ordem europeia pós-Guerra Fria, uma preocupação que remonta à experiência do século XX, incluindo as Guerras Mundiais“, disse à IstoÉ Regiane Bressan, professora de relações internacionais da Unifesp (Universidade Federal do Estado de São Paulo).
A especialista recordou que, às vésperas da Segunda Guerra Mundial, as potências globais se dividiram entre as posições de compromisso com a contenção dos avanços da Alemanha nazista. “A contradição atual pode lembrar essa tensão, mas o mundo atual é regido por multilateralismo e interdependência econômica global, o que dificulta a escalada militar direta“, afirmou.
Apesar de você
O primeiro sinal de pacificação não veio de Trump, mas de Zelensky. Na terça-feira, 4, o ucraniano propôs uma interrupção dos ataques aéreos e marítimos e se comprometeu a retomar o diálogo por “uma paz duradoura sob a liderança” do americano, com quem disse querer “consertar as coisas”.
Um dia depois, Andrii Yermak, chefe do gabinete presidencial ucraniano, confirmou a volta das negociações com a Casa Branca, o que consolidou um recuo da nação nessa dinâmica, para internacionalistas, apesar do amplo respaldo europeu.
Bressan afirmou que o desfecho dessa história revela uma Ucrânia ainda dependente e sem condições de trocar o suporte americano pelo europeu. “Apesar da crescente assertividade europeia em questões estratégicas, Washington ainda dita as condições do apoio ocidental à Ucrânia”, afirmou.
Para conquistar uma posição efetiva no desenlace do conflito, segundo ela, a Europa esbarra na “falta de uma estrutura de defesa coletiva independente da Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte], o que mantém a dependência dos EUA”, e em divergências internas sobre a sustentação do apoio à Ucrânia.
“O peso militar americano, incluindo sua dissuasão nuclear e a logística de fornecimento de armamentos, ainda é insubstituível a curto prazo“, concluiu a professora da Unifesp.