Países disputam território fronteiriço mapeado há mais de um século por colonizadores franceses. Agora, tensão entre as duas nações asiáticas voltou a escalar para conflito armado, deixando mais de uma dezena de mortos.A Tailândia e o Camboja entraram em um confronto armado nesta quinta-feira (24/07) com uso de tanques, artilharia e tropas terrestres como parte de uma disputa secular pelo Triângulo de Esmeralda – área onde a fronteiras dos dois países se encontra com a do Laos.
Ao menos um militar e 11 civis morreram até o momento, segundo o ministério da Saúde Pública tailandês, no que já é considerado o embate militar mais mortal entre os dois países desde 2011. Outros 35 civis ficaram feridos.
Os combates eclodiram perto de dois templos entre a província tailandesa de Surin e a província cambojana de Oddar Meanchey e se concentraram em seis pontos ao longo da fronteira.
Segundo relatos, o Camboja disparou foguetes e projéteis de artilharia, enquanto o exército tailandês realizou ataques aéreos contra alvos militares e empregou tanques e tropas terrestres na ofensiva.
Um foguete que explodiu próximo a um posto de combustíveis na província de Sisaket, na Tailândia, fez a maior parte das vítimas. Imagens do local mostraram fumaça saindo de uma loja de conveniência anexa ao posto. Autoridades provinciais disseram que a maioria dos mortos eram estudantes que estavam dentro da loja no momento do ataque.
Do outro lado da fronteira, o ministério da Defesa do Camboja afirmou que caças tailandeses lançaram duas bombas em uma estrada.
Crise diplomática e política
As duas nações discutem há décadas sobre onde a fronteira dos territórios deveria ser traçada. O último confronto de larga escala havia ocorrido na região há quase 15 anos, mas as tensões voltaram a crescer em maio, quando um soldado cambojano foi morto em um tiroteio pontual, que evoluiu para uma crise diplomática.
A disputa desencadeou uma crise política interna na Tailândia, onde a primeira-ministra Paetongtarn Shinawatra foi suspensa do cargo no início do mês, alvo de uma investigação ética sobre sua conduta.
Uma ligação diplomática entre Paetongtarn e Hun Sen, ex-governante do Camboja, foi vazada pelo lado cambojano, provocando uma investigação judicial. A primeira-ministra suspensa foi acusada de prejudicar interesses nacionais do país ao fazer uma deferência ao líder cambojano.
Países acusam o outro lado de iniciar conflito
Ambos os lados culpam o outro por iniciar os combates. Na quarta-feira, a Tailândia expulsou o embaixador cambojano e chamou de volta seu próprio embaixador, após um soldado tailandês ser ferido por uma mina terrestre na fronteira. Bangkok alegou que os dispositivos haviam sido colocados recentemente na região disputada.
Movimento similar foi feito pelo Camboja, que expulsou diplomatas e reduziu as relações entre os países ao seu "nível mais baixo".
Já no início da manhã desta quinta-feira, no horário local, militares tailandeses que patrulhavam o templo Prasat Ta Muen Thom dizem ter ouvido um drone cambojano e terem visto soldados se aproximando do posto militar carregando um lança-foguetes. O templo fica em território tailandês a menos de um quilômetro da fronteira cambojana.
A Tailândia afirmou que sua tropa deu um grito de alerta, mas as forças cambojanas abriram fogo em direção ao lado leste do templo, perto da base tailandesa.
O governo mais tarde acusou o Camboja de realizar um "ataque direcionado contra civis" e rotulou o país vizinho de ser "desumano, brutal e sedento por guerra".
A embaixada tailandesa na capital cambojana Phnom Penh pediu que seus cidadãos deixassem o país o mais rápido possível. Toda a fronteira foi fechada para trânsito de pessoas e os moradores da região foram evacuados.
Enquanto isso, o Camboja disse que suas forças agiram em legítima defesa para "repelir uma incursão tailandesa". "O exército tailandês violou a integridade territorial do Reino do Camboja ao lançar um ataque armado contra as forças cambojanas posicionadas para defender o território soberano do país", disse a porta-voz do ministério da Defesa, Maly Socheata, em comunicado.
Camboja pede intervenção do Conselho de Segurança
O primeiro-ministro do Camboja, Hun Manet, pediu uma reunião urgente do Conselho de Segurança da ONU para tratar do que seu governo chamou de "agressão militar não provocada".
"Considerando as recentes agressões extremamente graves por parte da Tailândia, que ameaçaram gravemente a paz e a estabilidade na região, peço sinceramente que convoque uma reunião urgente do Conselho de Segurança para deter a agressão tailandesa", escreveu ele.
A China, aliada do Camboja, declarou estar "profundamente preocupada" com os combates, pediu diálogo e ofereceu mediação.
Disputa mal resolvida há um século
O desacordo dos dois países sobre a delimitação da fronteira teve início no começo do século 20, quando a França, que ocupava o atual Camboja, fez um acordo com Sião, atual Tailândia.
O importante templo hindu de Preah Vihear, do século 11, acabou ficando do lado cambojano, o que passou a ser contestado pelo país vizinho. Na década de 1950, após o fim do protetorado francês no Camboja e a retirada das tropas europeias da região, a Tailândia ocupou o templo, considerado simbólico para os dois povos.
Em 1962, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) analisou o caso e decidiu que Preah Vihear pertence ao Camboja.
No entanto, a Tailândia passou a considerar que as áreas adjacentes ao templo não constavam no despacho da Corte e reativou conflitos ao longo da fronteira.
Em 2011, as trocas de agressões atingiram seu ápice. Milhares de pessoas foram deslocadas e ao menos 20 morreram. As relações melhoraram após a CIJ emitir nova decisão, em 2013, desta vez delimitando toda a província de Preah Vihear como pertencente ao Camboja. À época, a Tailândia acatou o acordo.
gq (AFP, DW, OTS)