País enfrenta sua maior onda de protestos em anos, impulsionados por crise econômica e desigualdade. Sociedade civil exige reformas no governo e punição à repressão policial.As imagens da morte do jovem Affan Kurniawan na semana passada chocaram a opinião pública da Indonésia. Elas mostram policiais paramilitares de elite atropelando o entregador de 21 anos com um veículo blindado.
As imagens viralizaram e fizeram com que uma onda de protestos em Jacarta, relacionados a problemas estruturais como aumento da pobreza e uma política percebida como indiferente aos problemas da população, deixasse de ser pacífica.
Confrontos provocaram pelo menos dez mortes, e centenas de pessoas ficaram feridas. A organização Human Rights Watch afirma que mais de 3 mil manifestantes foram detidos até quinta-feira (04/09), e a ONG de direitos humanos KontraS relata que pelo menos 20 pessoas estão desaparecidas.
Presença militar não impede manifestantes
Confrontos também foram registrados em outras cidades da Indonésia, como Surabaia, Bandung, Yogyakarta e Makassar. Segundo relatos, o Exército foi posicionado ao longo das principais vias dessas cidades.
Mas a presença militar não conseguiu impedir a mobilização social. Chamados nas redes sociais se espalharam rapidamente, também com a ajuda de influenciadores e figuras públicas.
As autoridades indonésias reagiram com medidas restritivas: ordenaram a desativação da função de transmissão ao vivo do TikTok, que se tornou uma importante plataforma para o compartilhamento de informações e a mobilização dos cidadãos.
Raízes dos protestos
Segundo o Banco Mundial, cerca de 60% dos trabalhadores indonésios atuam no setor informal, sem renda estável ou proteção social. Os preços dos alimentos subiram drasticamente, ao mesmo tempo em que as ofertas de trabalho diminuíram.
A classe média também está encolhendo, o que agrava ainda mais a crise: milhões de pessoas caíram para faixas de renda mais baixas ou até mesmo para a pobreza absoluta. Só nos últimos cinco anos, segundo o Centro de Estudos Econômicos e Jurídicos (CELIOS), quase 10 milhões de indonésios sofreram rebaixamento de classe social.
Desde o início deste ano, mais de 42 mil trabalhadores perderam seus empregos. Em junho, o governo indonésio deixou de divulgar dados oficiais sobre o mercado de trabalho, justificando a decisão com o medo de "pânico público".
Parlamentares com salários elevados
Em meio à indignação, um vídeo em particular se espalhou: ele mostrava deputados dançando durante uma sessão no Parlamento. Muitos cidadãos viram isso como um símbolo da alienação da elite.
A raiva aumentou ainda mais quando os parlamentares aprovaram um aumento de até 50 milhões de rúpias (cerca de 16,5 mil reais) por mês no seu auxílio à moradia, elevando ainda mais suas já generosas remunerações.
Para efeito de comparação, segundo dados do governo de 2024, a renda mensal per capita na Indonésia era, em média, de apenas 6,5 milhões de rúpias (o equivalente a pouco mais de 2 mil reais).
Um decreto do Ministério das Finanças de 1994 ainda concede aos representantes do Estado um benefício fiscal especial, isentando-os do pagamento de imposto de renda de pessoa física.
A morte de Affan Kurniawan, o jovem entregador que lutava para sobreviver com uma renda modesta, foi um estopim. Para muitos, ele virou símbolo da pressão econômica que sufoca grande parte da população.
Quais são as reivindicações dos manifestantes?
Os manifestantes fazem exigências concretas ao governo, como a revogação do aumento dos auxílios aos parlamentares.
À medida que a violência contra os manifestantes aumentou, a lista de reivindicações também se expandiu e surgiu o movimento "17+8", que pede ao governo que resolva 17 questões urgentes.
Entre elas, a criação de uma comissão de investigação sobre a morte de Affan Kurniawan, o fim do uso do Exército contra manifestantes, a libertação dos manifestantes presos e a punição dos agentes que usaram violência durante os protestos.
Além disso, o documento elaborado pelos manifestantes apresenta oito demandas estruturais, como reformas no Parlamento, nos partidos políticos e na polícia. E pediram que essas reformas sejam implementadas dentro de um ano.
"Pelo menos os pontos sobre reforma parlamentar precisam ser implementados. Caso contrário, nada mudará nos próximos anos", afirmou Jovial da Lopez, um dos manifestantes, em entrevista à DW.
Reação do governo
No domingo, o presidente da Indonésia, Prabowo Subianto, convocou seu gabinete ao Palácio do Estado e comentou os protestos, qualificando algumas ações dos manifestantes como "traição e terrorismo".
Segundo Kunto Adi Wibowo, especialista em comunicação política da Universidade Padjadjaran, o presidente ainda não entendeu a crise estrutural atual.
"Prabowo não investigou as causas dos protestos. Ele se recusa a ver que existe uma crise e trata a tragédia por trás dos protestos como um problema pontual. Isso é problemático", avalia Wibowo.
O presidente ordenou que a Polícia Nacional da Indonésia e as Forças Armadas atuassem de forma firme contra os supostos responsáveis pela violência nas manifestações.
"O Exército não está preparado para lidar com protestos pacíficos. Ele é treinado para a guerra, não para lidar com civis", disse Wirya Adiwena, vice-diretor da Anistia Internacional Indonésia, à DW.
Militares também passaram a realizar patrulhas noturnas, e Prabowo prometeu promoções a policiais feridos durante a contenção das manifestações. "Prabowo está do lado das forças repressivas ao conceder privilégios à polícia e ao Exército. Isso só aumentou a raiva da população e demonstra falta de sensibilidade", acrescenta.
Essa abordagem militarista do Estado pode fazer com que as forças de segurança entendam o uso da violência como justificado, segundo o vice-diretor da Anistia Internacional Indonésia. "A violência contra pessoas que defendem seus direitos está sendo normalizada pelo Estado", alerta Adiwena.
"Solidariedade ultrapassa fronteiras"
A sociedade civil, no entanto, reage: as redes sociais estão repletas de postagens oferecendo atendimento psicológico gratuito, serviços médicos, ajuda jurídica, contatos de emergência para desaparecidos e canais de doações.
Cidadãos continuam compartilhando mensagens online que incentivam o cuidado mútuo, rejeitam provocações racistas, verificam informações e reforçam as exigências feitas ao governo.
"A população está cada vez mais disposta a construir um movimento baseado na empatia e focado na resistência às práticas autoritárias do Estado", diz Adiwena.
Os esforços de solidariedade já ultrapassaram as fronteiras da Indonésia, chegando inclusive a indonésios que vivem na Alemanha.
"Essa é a nossa expressão de solidariedade com os amigos na Indonésia. A manifestação também serve para informar sobre o que está acontecendo lá, pois o país enfrenta desafios sérios atualmente", disse à DW Walter Ng, estudante indonésio radicado em Berlim.
Segundo Kunto Adi Wibowo, o apoio do resto do Sudeste Asiático também tem sido notável. "Usuários da internet na Malásia e na Tailândia chegaram a enviar comida para motoristas de mototáxi. A solidariedade está ultrapassando as fronteiras nacionais".