Poucos meses de mandato depois – já em sua terceira edição –, Lula, para a surpresa de muitos, parece estar sentindo o peso da faixa e do desafio de administrar humores bastante resistentes ao seu governo.

Procura conter, e até cooptar, na medida do possível, alguns opositores. Pensava que iria ter caminho fácil e sereno nessa sua volta ao Planalto e, como previsível, está longe disso, com um Congresso majoritariamente refratário às suas ideias e propostas.

Já colheu algumas derrotas sonoras, como no caso do Marco do Saneamento, que tentou rever, em um erro crasso de visão. Buscava um retrocesso inaceitável.

Há quem diga que o demiurgo de Garanhuns estaria perdendo o traquejo e a sensibilidade política, levantando bandeiras anacrônicas – volta atrás nas privatizações, na Lei Trabalhista etc – e abrindo guerra contra extratos sociais estratégicos que podem lhe dar sustentação.

Em uma coisa todos concordam: a figura hoje no comando do País está bem longe daquela imagem do “lulinha paz e amor” de outrora que conquistou mentes e corações até dos adversários.

Talvez os anos de prisão tenham tingido a sua alma de amargura e deixado que predominasse nele um sentimento de revanchismo sistemático.

O fato é que o Lula versão 3.0 não está mais preocupado em mostrar condescendência. O mercado financeiro tratado como o capeta endiabrado, o Banco Central visto no papel de vilão dos juros, parlamentares encarados na pele de sabotadores são apenas algumas das facetas do comportamento arisco trazido pelo presidente na edição 2023, o que só entorna o caldo das relações.

Assim fica difícil aparar arestas e estruturar qualquer articulação minimamente propositiva.

Mais recentemente, o Governo viu o deputado Arthur Lira, presidente da Câmara, insuflar uma certa rebelião parlamentar com o objetivo de retomar o controle mais amplo do Orçamento. Foi bem-sucedido, e o petista teve de ceder em verbas e emendas extras para saciar tamanho apetite.

Na queda de braço encontra-se uma bolada da ordem de R$ 9 bilhões, ainda oriunda do famigerado esquema criado na gestão anterior de Bolsonaro, quando, na prática, foram institucionalizados, digamos legalizados, desembolsos rotineiros equivalentes a um mensalão.

Algumas falhas na costura dos entendimentos com o Legislativo ocorreram ao longo do processo de aproximação com a culpa recaindo sobre o ministro Alexandre Padilha, das Relações Institucionais. A tal ponto que Lula em pessoa se predispôs a assumir a dianteira das tratativas.

A narrativa política desajustada, no entanto, ainda é atribuída em boa parte ao próprio Lula, que empenha bandeiras tortas e embaraçosas.

Nos últimos dias, o presidente, ao que tudo indica, percebeu a dimensão dos escorregões e passou a fazer o movimento oposto, falando em “diálogo civilizado”. Dentre os acenos apontou que o Governo precisa mais do Congresso que o contrário. “Nenhum deputado é obrigado a votar naquilo que o governo quer, pode pensar diferente, mudar um artigo. Isso faz parte do jogo democrático”.

Uma virada e tanto de postura para quem, até recentemente, vinha desmoralizando as decisões da Casa e destratando os interlocutores.

A torcida é para que Lula desça logo do palanque, saindo do modo eleição. Decerto vem sendo improdutivo para o País e irritantemente cansativo o enredo de desencontros entre os poderes. Lula chegou a falar em conluio de senadores e deputados, classificando de “delinquência ética e moral” muitas das votações.

Passou do ponto e, naturalmente, a conduta não agradou, com raras exceções apenas no campo dos fiéis seguidores partidários. Acreditando na premissa do “um dia atrás do outro” e aconselhado por assessores próximos, o mandatário baixou o tom.

E o fez no momento certo, às vésperas das discussões sobre o arcabouço fiscal que pode ser o grande teste para uma eventual reversão de impressões a favor de sua gestão.

O Lula enfezado não ajudou, empurrou prematuramente o time ministerial para a geladeira, em longo inverno das relações com os congressistas.

Daqui para frente, o verdadeiro problema será o de segurar o temperamento e identificar as razões do bom ou mau humor de Lula a cada nova circunstância para evitar que os danos se prorroguem.

Tarefa para auxiliares que terão de mostrar muito jogo de cintura. É fato: Lula está sabotando a própria pauta numa espécie de haraquiri político, e, para reconstruir pontes e deixar o pretendido legado, terá mesmo de mudar o rumo da prosa.