O que esperar dos votos da Primeira Turma do STF no julgamento de Bolsonaro

Antonio Augusto/STF
Foto: Antonio Augusto/STF

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) inicia o julgamento que decidirá o destino de Jair Bolsonaro (PL) no dia 2 de setembro. No processo, os juízes determinarão se o ex-presidente, Alexandre Ramagem, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Paulo Sérgio, Walter Braga Netto e Mauro Cid são culpados ou inocentes das acusações apresentadas pela Procuradoria-Geral da República.

Os réus são apontados como parte do núcleo crucial de uma suposta tentativa de golpe de Estado pós-eleições de 2022. Eles serão avaliados por crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado, grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

O julgamento começa com a leitura do relatório pelo ministro Alexandre de Moraes, seguida pelas manifestações da acusação e das defesas. Depois disso, cada um dos cinco ministros da Primeira Turma votará e, se houver condenação, também deverão definir as penas. As possibilidades incluem prisão, perda de direitos políticos e multas, além da fixação de valores de indenização por danos coletivos.

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Quem forma a Primeira Turma?

A Primeira Turma é uma das classes do STF, atualmente presidida pelo ministro Cristiano Zanin. Ela é responsável por analisar processos criminais, ações penais contra autoridades, além de habeas corpus e inquéritos originários.

Integram o colegiado os ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Luiz Fux e Cármen Lúcia, além de Zanin. As decisões são tomadas por maioria simples, com cada magistrado proferindo voto de forma individual, na ordem respectivamente citada.

O que esperar dos votos da Primeira Turma do STF no julgamento de Bolsonaro

Para entrar no STF, um magistrado deve ser indicado pelo presidente da República e aprovado, após sabatina, pelo Senado Federal. Na composição atual, três dos cinco juízes da Primeira Turma foram indicados por Lula (Carmen, Dino e Zanin). Já Moraes foi escolhido por Michel Temer (MDB) e Luiz Fux, por Dilma Rousseff (PT).

Como costumam votar os ministros?

Ao avaliar votações marcantes do Supremo Tribunal Federal, é possível notar que nem sempre há convergência entre os cinco magistrados.

Descriminalização do porte de maconha

Em 26 de junho de 2024, o STF concluiu o julgamento que passou a descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal. Por maioria, a Corte decidiu que portar até 40 gramas de cannabis ou cultivar até seis plantas fêmeas não constitui crime, sendo apenas infração de natureza administrativa, não penal.

  • Cristiano Zanin: contra
  • Cármen Lúcia: a favor
  • Alexandre de Moraes: a favor
  • Luiz Fux: a favor
  • Flávio Dino: impedido de votar por assumir lugar de Rosa Weber, que já havia deliberado.

Responsabilização do Estado por vítimas de violência policial – pauta da ‘Bala Perdida’

Em 11 de abril de 2024, a Corte reconheceu que o Estado pode ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de “balas perdidas” em operações policiais ou militares. Na prática, ficou decidido que o governo responde por morte ou ferimento quando uma investigação técnica não consegue descartar o vínculo entre a ação estatal e o dano.

  • Cristiano Zanin: a favor (com ressalvas)
  • Cármen Lúcia: a favor
  • Alexandre de Moraes: contra
  • Luiz Fux: contra
  • Flávio Dino: a favor

Tornar Bolsonaro réu

Em 26 de março de 2025, os ministros da Primeira Turma do Supremo aceitaram, por unanimidade, a denúncia que tornou Jair Bolsonaro e mais sete aliados réus no inquérito sobre o suposto golpe de Estado pós-eleições de 2022.

  • Cristiano Zanin: a favor
  • Cármen Lúcia: a favor
  • Alexandre de Moraes: a favor
  • Luiz Fux: a favor
  • Flávio Dino: a favor

Responsabilização de plataformas por postagens criminosas ou ofensivas de seus usuários

O STF decidiu em 26 de junho de 2025 mudar as regras sobre a responsabilidade das plataformas digitais. Por maioria, os ministros entenderam que o Artigo 19 do Marco Civil da Internet não seria mais válido em sua forma atual. Com a nova interpretação, empresas como Facebook, X (antigo Twitter), YouTube e outras podem ser responsabilizadas civilmente por publicações consideradas criminosas ou ofensivas.

  • Cristiano Zanin: a favor
  • Cármen Lúcia: a favor
  • Alexandre de Moraes: a favor
  • Luiz Fux: a favor
  • Flávio Dino: a favor

Manter medidas cautelares contra Bolsonaro

A maioria dos ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) votou em 18 de julho por manter a decisão do ministro Alexandre de Moraes que impôs medidas cautelares contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, entre elas o uso de tornozeleira eletrônica.

  • Cristiano Zanin: a favor
  • Cármen Lúcia: a favor
  • Alexandre de Moraes: a favor
  • Luiz Fux: contra
  • Flávio Dino: a favor 

O que esperar dos magistrados no julgamento da trama golpista?

Especialistas em direito constitucional indicam que decisões no Tribunal sempre trazem possibilidade de surpreender. Especialmente por se tratar de um processo que julga cinco crimes, é difícil definir o resultado das condenações ou das penas.

Porém, ao levar em conta o histórico de decisões do STF, o professor de Direito Constitucional da UFF (Universidade Federal Fluminense) Gustavo Sampaio indica que o perfil da Corte indica uma grande possibilidade de acatar as condenações.

Na análise do advogado, Moraes mostra apego a autoridade da lei penal, especialmente no que diz respeito à garantia da democracia brasileira – assim como Flávio Dino, que tem longo histórico na magistratura e deve votar pela condenação. A mesma teoria aplica-se à ministra Carmen Lúcia.

“A ministra Carmen Lúcia tem um histórico de austeridade, de muita firmeza, de muita segurança. Embora ela tenha voz serena, um comportamento muito cordato, muito gentil, tem histórico de rigor na aplicação da lei penal. Portanto, talvez se estipule também que de lá vem a condenação”, prevê Sampaio. 

Já o recém-chegado ao STF, onde tomou posse em 2023, o ministro Cristiano Zanin mantém perfil mais discreto. Com trajetória marcada pela advocacia criminal, ele é descrito pelo professor como “garantista” – pensamento jurídico que dá ênfase à proteção dos direitos e garantias individuais, mesmo diante da persecução penal pelo Estado.

“Embora ele tenha um perfil muito auto-contido, um perfil de emitir poucas opiniões, de emitir pouca voz, há estimativa de que talvez acompanhe votos para alguma condenação que vier nos autos da ação”, pondera o especialista.

Por fim, o magistrado de maior divergência é Luiz Fux. Conforme os especialistas entrevistados, ele costuma acenar para decisões críticas e nem sempre acompanha o resto do colegiado. Com isso, pode ser que o ministro contrarie a maioria tanto no que diz respeito às condenações quanto à gravidade das penas.

Já o advogado e professor da PUC-SP Georges Abboud pondera que o ineditismo do caso torna o futuro complexo de prever. Além disso, ele lembra que há chance de divergência (ou convergência) em vários pontos, já que o processo cobre diferentes crimes e ainda inclui decisão sobre dosimetria – ou seja, o nível em que tais crimes serão punidos.

O professor entende que, mais que juízes, os integrantes da Primeira Turma carregam a bagagem de suas formações. Isso pode influenciar na maneira em que os ministros enxergam a aplicação do rigor jurídico.

“Por exemplo, muitas vezes um julgador que é oriundo de uma carreira pública, ele tende a ser mais fiscalista que alguém que não tenha vindo dessa área”, explica.

Abboud acrescenta que os magistrados sofrem pressão política de múltiplas vias, especialmente por estarem julgando um processo histórico.

“Em um julgamento como esse, é possível ver que o parlamento fica em pé de guerra, etc. Nada mais comum do que haver essas pressões. Nesse caso tem até pressão de fora do Brasil. Mas não acho que nada disso vai ser impeditivo”, finaliza.

Relembre a cronologia da trama