01/03/2023 - 15:10
O vereador Sandro Fantinel usou a tribuna da Câmara dos Vereadores de Caxias do Sul (RS), na terça-feira (28), para fazer comentários xenofóbicos sobre o caso de trabalhadores que foram resgatados de situações análogas à escravidão em vinícolas da serra gaúcha. As falas tiveram grande repercussão e o parlamentar pode responder pelo crime de racismo. Além disso, nesta quarta-feira (1°), ele foi expulso do partido Patriota.
Trabalho análogos à escravidão por ter diversas características, como condições desumanas de alimentação ou alojamento e condições que dificultam o exercício da atividade. Porém, a mais comum, é a restrição de locomoção. Nela, o empregador afirma que o trabalhador possui uma dívida com ele e, por isso, não pode sair do local de trabalho até que ela seja quitada. Caso saia, o empregado terá de pagar uma multa.
As condições dos trabalhadores das vinícolas eram semelhantes. De acordo com Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), 207 pessoas foram extorquidas, agredidas, ameaçadas e até mesmo torturadas com choques elétricos e spray de pimenta. Elas prestavam serviço para a Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde Ltda, que oferecia mão de obra para as vinícolas Aurora, Salton e Cooperativa Garibaldi.
Falas xenofóbicas
Ainda de acordo com o MTE, 194 desses trabalhadores voltaram para a Bahia, quatro permaneceram no Rio Grande do Sul e outros 9 eram gaúchos.
Após a grande repercussão do resgate, o vereador Sandro Fantinel pediu para que os produtores da Serra Gaúcha “não contratem mais aquela gente lá de cima”, em referência à população do Nordeste. O parlamentar ainda afirmou que os baianos são sujos e só “sabem tocar tambor”. Para ele, os melhores trabalhadores são os argentinos, pois são “limpos e corretos”.
Na sequência, o deputado estadual Leonel Radde informou que abriu um boletim de ocorrência contra o parlamentar e afirmou que “o Rio Grande do Sul e o Brasil não são lugares para racistas”.
O que é xenofobia?
O advogado Camilo Onodas Caldas, que é doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra (Portugal) e também integra o coletivo contra o discurso de ódio e o extremismo criado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, explicou, em entrevista à IstoÉ, que xenofobia é o preconceito em relação à nacionalidade de determinada pessoa, seja de caráter internacional ou nacional.
“As declarações do vereador foram hostis e criaram um estereótipo regional. Ele generalizou que todos os baianos não gostam de trabalhar, e isso não está correto”, acrescentou.
Esse tipo de discurso tem sido cada vez mais frequente. Um levantamento feito pela Central Nacional de Denúncias (CDN), da empresa Safernet, apontou que os discursos xenofóbicos nas redes sociais cresceram 874% em 2022 na comparação com 2021.
Para o advogado, esse percentual é reflexo da eleição presidencial, em outubro de 2022. Assim que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) derrotou Jair Bolsonaro (PL) nas urnas, houve um aumento dos discursos de ódio nas redes sociais. Principalmente contra a população do Nordeste, onde o petista teve uma votação expressiva.
“Essas pessoas sentem que podem ter esse tipo de discurso nas redes sociais porque contam com ferramentas para isso. O indivíduo acredita no anonimato e também pode bloquear ou excluir comentários que contradigam o discurso”, afirmou o advogado.
Por conta disso, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) passou a considerar, em dezembro de 2022, como racismo os atos que discriminam brasileiros que vivem no Nordeste. A lei n° 9.459/97 estabelece que pode ser penalizado o indivíduo que praticar, induzir, incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
A pena para quem praticar racismo é de dois a cinco anos de reclusão. Vale ressaltar que é imprescritível e inafiançável.
O advogado ainda informou que o vereador Sandro Fantinel pode responder tanto na Justiça quanto na Comissão de Ética da Câmara dos Vereadores de Caxias do Sul, se a casa abrir algum processo administrativo. “O fato de ele ter foro privilegiado não interfere nisso”, concluiu.