Braga Netto é general da reserva e ministro da Defesa. Sabe muito bem, portanto, o quanto tem de omissão e o quanto tem de invenção no texto por ele endossado e lido a todos os militares, de todas as patentes, em todos os quartéis do País, na quinta-feira 31.

A tal texto dá-se o nome de Ordem do Dia. Quanto à data, celebrada por Braga Netto, ela é, na história do Brasil, a mais fúnebre para a democracia e o Estado de Direito, para a cidadania e as garantias fundamentais. Há cinquenta e oito anos, a 31 de março de 1964, os militares deram um golpe de Estado, rasgaram a Constituição e tiraram do poder o presidente democraticamente eleito João Goulart (elegeu-se como vice de Jânio Quadros, assumiu o comando da Nação com a renúncia do titular).

Do final do texto da Ordem do Dia consta o seguinte: “Cinquenta e oito anos passados, cabe-nos reconhecer o papel desempenhado por civis e por militares, que nos deixaram um legado de paz, de liberdade e de democracia, valores esses inegociáveis, cuja preservação demanda de todos os brasileiros o eterno compromisso com a lei, com a estabilidade institucional e com a vontade popular”.

Inverdades históricas! É importante informar as gerações mais novas de brasileiros que o golpe de Estado, elogiado por Braga Netto, matou gente sob tortura, matou espancando, matou com choque elétrico, matou empalando, matou e desapareceu com corpos. Quem foram os mortos? Opositores e opositoras do regime totalitário, opositores e opositoras da ditadura que os militares, com apoio de alguns civis, instauraram no País. Os torturadores estupravam as mulheres presas, mulheres que em diversas vezes assumiram a linha de frente na luta pela redemocratização. Pois é, os covardes as violentavam!

É importante informar aos jovens que a ditadura militar impediu a prática democrática da política, fechou o Congresso Nacional, cassou mandatos, mandou para o exílio artistas e intelectuais, aposentou compulsoriamente professores e juízes, censurou a imprensa. Suspendeu aos presos políticos a mais consagrada figura jurídica: o habeas corpus.

Em outro de seus trechos, a Ordem do Dia dá a entender que a ditadura conquistou a anistia ampla, geral e irrestrita. Loucura! A anistia foi conquistada pela sociedade civil, que destemidamente lutou para desencarcerar presas políticas e presos políticos, para trazer de volta ao País as exiladas e os exilados, para colocar fim às masmorras e aos porões da tortura. Os ditadores não tiveram outra saída a não ser aceitá-la em 1979.

Pode-se citar, aqui, dois casos que bem traduzem o cemitério que se fez o Brasil a partir de 31 de março de 1964, a data que a Ordem do Dia homenageou. Um rapaz, que lutava contra a ditadura, foi morto asfixiado porque torturadores do regime militar acoplaram a sua boa ao escapamento de um jipe. Aceleravam o automóvel… E uma moça foi assassinada, em um dos órgãos da repressão, com o crânio esmigalhado por uma coroa de ferro que a cada minuto lhe apertava mais e mais e mais e mais a cabeça…

Mortos, como tantos outros mortos, esses dois jovens brasileiros ajudaram a vencer a tirania. Os seus nomes são eternos e lindos, a coragem e o calvário de ambos a Ordem do Dia esqueceu de contar: o moço se chamava Angel; a moça se chamava Aurora.