RECOLHIDA Michele estaria de quarentena no Palácio do Alvorada desde que retornou dos EUA (Crédito:Mateus Bonomi)

Jair Bolsonaro não tem sido apenas irresponsável ao esconder o resultado dos exames que comprovam se contraiu ou não coronavírus quando voltou dos Estados Unidos, mas pode ter cometido crime de responsabilidade ao não dar transparência aos atos como presidente da República. Se estivesse ou estiver contaminado, contagiou um grande número de pessoas, após ter desobedecido ordens médicas de que deveria ter se submetido a um período de quarentena de 14 dias, como recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS). Fontes do Palácio do Planalto admitem que o presidente e a primeira-dama Michelle talvez tenham testado positivo para o coronavírus nos exames feitos no Hospital das Forças Armadas (HFA), de Brasília, logo depois que desembarcaram, na quarta-feira 12, da viagem feita aos EUA para o jantar com o presidente Donald Trump, em sua mansão de Miami. Vinte e cinco pessoas da comitiva brasileira retornaram da viagem infectadas pela Covid-19, inclusive ministros, assessores pessoais e até o chefe da segurança da Presidência — todos tiveram contatos estreitos com Bolsonaro. Parte desse grupo, incluindo o presidente, Michelle e outras 15 pessoas, realizou testes no HFA. O hospital militar, contudo, só divulgou os resultados de 15 delas, todas positivadas. Dessa relação, o HFA se recusa a mostrar os exames de duas pessoas, que seriam exatamente o presidente e sua mulher. No Congresso, importantes parlamentares não têm mais dúvidas de que o casal testou positivo para a Covid-19. “Se os resultados fossem negativos, Bolsonaro já teria esfregado os exames na nossa cara”, diz o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), que encaminhou requerimento à juíza Raquel Soares Chiarelli, do Distrito Federal, pedindo acesso aos exames. Caso eles tenham dado positivo, como se suspeita, o presidente terá incorrido em crime passível de impeachment, pois colocou sob ameaça a saúde de manifestantes de Brasília que participaram, a seu pedido, de um ato pleiteando o fechamento do Congresso e do STF no domingo 15. O presidente chegou a abraçar as pessoas e tirar selfies de rosto colado com elas. Se Bolsonaro estivesse contaminado, como se acredita, ele pode ter infectado centanas de pessoas, expondo-as à grave risco sanitário. O próprio presidente já emitiu sinais de que teria mesmo se contaminado. No pronunciamento de rádio e TV na terça-feira 24, ele disse que se tivesse pego o vírus, não seria nada sério: “Por ter histórico de atleta, seria uma gripezinha ou resfriadinho”. Fez chacota com a pandemia, que já matou mais de 15 mil pessoas no mundo.

“Se os resultados fossem negativos, Bolsonaro já  teria esfregado  os exames na nossa cara”  Alexandre Frota,  deputado federal

PRECURSOR O chefe da Secom, Fábio Wajngarten, foi o primeiro assessor de Bolsonaro a contrair o vírus (Crédito: Isac Nóbrega/PR)

Segurança nacional

Uma das pessoas infectadas pelo novo coronavírus nos últimos dias no circulo em torno do presidente foi o seu motorista, o PM Ari Celso Rocha de Lima Barros, que até a quinta-feira 26 estava internado em Brasília em estado grave. Antes do motorista, já haviam pego a doença os ministros Augusto Heleno (GSI) e Bento Albuquerque (Minas e Energia), além de assessores diretos como Fábio Wajngarten (chefe da Secom). Servidores do Palácio do Planalto que acompanham a questão junto ao HFA dizem que não podem dar informações sobre os exames de Bolsonaro e da primeira-dama “por questão de segurança nacional”. A recusa do governo em revelar os resultados dos exames de todas as 17 pessoas do alto escalão que fizeram testes no HFA, incluiu até mesmo a juíza federal Raquel Soares Chiarelli, que encaminhou um ofício ao hospital solicitando os documentos. A Justiça foi acionada pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal para saber quais as autoridades do governo estavam infectadas, com o objetivo de adotar medidas profiláticas no palácio. O comandante de Logistica do HFA, general Rui Yutaka Mtsuda, no entanto, negou as informações à juíza: “Deixo de informar à V. Excia os nomes dos pacientes com sorologia positiva para Covid-19, a fim de evitar a exposição dos pacientes e em virtude do Direito Constitucional de proteção às autoridades, honra e imagem do cidadão”, disse Matsuda, dando margem às suspeitas que circulam em Brasília.

FUGA O general Heleno deveria ficar 14 dias de quarentena, mas voltou a trabalhar sete dias depois (Crédito:WILTON JUNIOR)

O presidente e seus porta-vozes estão adotando uma postura não só irresponsável como também de desrespeito à legislação de transparência pública. A negativa do HFA também tem sido transmitida aos jornalistas que procuram a unidade militar para terem acesso aos exames do presidente e de Michelle. O governo chegou a censurar a liberação dos dados negando a divulgação dos documentos pedidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), ao editar uma Medida Provisória nesse sentido, na calada da noite. Para tomar a medida revogando temporariamente a lei de acesso, o presidente se baseou no decreto de estado de calamidade pública aprovado no Congresso. Na quinta-feira, o STF suspendeu a MP. A informação obtida por parlamentares é a de que o casal presidencial testou positivo e que a primeira-dama estaria, inclusive, recolhida em quarentena no Palácio da Alvorada desde que retornou dos EUA. “O presidente estava com o vírus quando desceu a rampa do Planalto no domingo, dia 15. Os médicos recomendaram que ficasse em quarentena, mas ele desrespeitou essa determinação e foi ao encontro dos apoiadores que realizavam o ato contra o Congresso e o STF. Para não o acusarem de ter contaminado outras pessoas, Bolsonaro não admitiu que havia testado positivo”, acredita Frota. O deputado acha que tudo isso reforça ainda mais o pedido de impeachment que formulou contra Bolsonaro e que está na mesa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

JANTAR COM TRUMP O ministro Bento Albuquerque foi um dos 25 assessores do presidente a se contaminar na viagem aos EUA (Crédito:Divulgação)

Essa mesma postura de Bolsonaro em negar a apresentação dos resultados do seu teste já havia sido adotada na sexta-feira 20, quando o presidente concedeu uma entrevista coletiva ao lado do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Ao ser cobrado por um jornalista sobre as razões que o levavam a se recusar a mostrar os exames, Bolsonaro invocou o direito a sua privacidade. Lembrou que já fez dois testes, nos dias 12 e 17, e que ambos deram negativo. “Se meu médico mandar, eu faço novo exame, sem problema nenhum”. Mandetta saiu em socorro de Bolsonaro: “Os exames do presidente são do paciente. O seu exame e o seu prontuário são da sua intimidade. Se tiver dado positivo ou negativo, cabe a ele, presidente, ou a seu médico, comunicar o resultado”. Na quarta-feira 25, Bolsonaro voltou a bater boca com um repórter que insistiu em obter cópia dos exames. Ele foi grosso como sempre: “Acha que estou escondendo alguma coisa? Tá na lei. Quer que eu te mande a lei, eu mando”. O presidente esquece, porém, que ele não é um paciente comum. É o presidente de um País que está em meio à uma grave crise sanitária e não pode sair por aí disseminando o vírus, por acreditar, irracionalmente, que a pandemia trata-se “apenas de uma gripezinha ou resfriadinho”. Na contramão das autoridades do mundo inteiro, Bolsonaro é o único mandatário a não levar a sério os efeitos aterradores da Covid-19. Tanto é assim que, mesmo com fortes indícios de que testou positivo, continuou a levar uma vida normal, abraçando e beijando pessoas nas ruas, quando deveria ter se trancado em casa, de quarentena. O presidente, certamente, foi atingido pelo vírus da irresponsabilidade.

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