Divulgado na sexta-feira, 5, o anúncio de que Flávio (PL-RJ) será o candidato da família Bolsonaro na disputa presidencial de 2026 reorganiza o campo da direita e remonta a dilemas estruturais do bolsonarismo.
Segundo o cientista político da Unicamp Otávio Catelano, a escolha reforça a centralização de decisões no núcleo familiar do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), além de reabrir discussões sobre o alcance político do movimento para além de seu líder original, atualmente inelegível e preso por tentativa de golpe de Estado.
A candidatura surge após muita especulação e no momento em que o PL buscava calibrar presença nacional sem expor fraturas internas, evidentes desde que a ala política conservadora perdeu seu principal líder. O episódio mais recente ocorreu no Ceará, quando o filho “01” do de Bolsonaro apoiou a candidatura de Ciro Gomes ao governo estadual, o que gerou críticas públicas por parte da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL). Após a crise, a legenda voltou atrás na decisão e retirou o apoio à Ciro.
“Ele [Bolsonaro] não conseguiu organizar um partido que funcione de maneira autônoma, que produza alternativas que não passem pelas mãos dele”, disse Catelano à IstoÉ.
Catelano também destaca que a própria dinâmica familiar reforça essa centralização, ainda que marcada por disputas internas, como revelado em conflitos recentes. “Há uma incapacidade de confiar plenamente em quem não seja da família, mas mesmo dentro da família há atritos.” Esses elementos pavimentam o terreno para possíveis impasses e respaldos da candidatura no tabuleiro de 2026.
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O ‘Bolsonaro mais político’

Senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e senador Marcos do Val (Podemos-ES)
Flávio Bolsonaro é frequentemente classificado por aliados como o membro da família com maior habilidade de articulação institucional e menor propensão a embates públicos diretos. A trajetória no Senado reforça essa percepção, já que o ambiente reduzido da Casa costuma permitir negociações com menor exposição e menos volatilidade do que a Câmara dos Deputados.
O apoio de Flávio à candidatura de Ciro Gomes no Ceará, na mesma linha, foi apontado como uma escolha mais pragmática do que ideológica. Segundo sustentavam os filhos do ex-presidente, Ciro era o candidato com mais chances concretas de interromper a hegemonia do PT no estado.
Essa característica, porém, não altera substancialmente o conteúdo ideológico do seu posicionamento. Como observa Catelano, a leitura de que o senador seria “menos ideológico” é tênue, já que ele “sustenta as principais bandeiras do bolsonarismo, especialmente a agenda das armas.”
“O que muda é o espaço em que atua, que exige menos agressividade para ser ouvido, mas isso não pode ser confundido com moderação.”, pontua.
Dependência familiar

Flávio Bolsonaro (à esquerda), Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro e Carlos Bolsonaro (à direita)
A definição do nome de Flávio também dialoga com a forma como Bolsonaro estrutura suas decisões políticas dentro do PL, mesmo afastado da política institucional. Até os comerciais políticos da legenda ainda recorrem à imagem de Jair como principal atrativo, enfatizando uma “continuação” de seu projeto.
Segundo Catelano, a lógica hierárquica que marcou a carreira militar do ex-presidente se reproduz tanto internamente quanto na política institucional. “A escolha do filho mais velho e ocupante do cargo mais alto não é surpreendente. É uma decisão coerente com o padrão mostrado por Jair Bolsonaro nos últimos anos.”
Ainda assim, a decisão não dissipa integralmente conflitos de protagonismo entre os irmãos, que já expressaram publicamente a disponibilidade para candidatura – ou na disputa por influência nas redes, divergências sobre estratégias regionais, etc. Em meio à desorganização interna da ala, a indicação de Flávio funciona mais como contenção temporária de tensões do que uma preferência eleitoral.
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Repercussões no tabuleiro de 2026

A indicação de Flávio reacende o debate sobre a capacidade de o bolsonarismo transferir votos para um herdeiro político. Entre lideranças da direita, avaliações apontam que nenhum dos filhos possui o engajamento eleitoral de Jair Bolsonaro, embora todos compartilhem seu lastro ideológico e base simbólica.
Catelano destaca que essa limitação pode reduzir o alcance da candidatura, especialmente quando comparada a nomes da direita que não carregam investigações ou rejeição acumulada. “Eles têm o sobrenome do pai, mas não o carisma. E todos têm controvérsias próprias, o que amplia a resistência de parte do eleitorado conservador.” No caso de Flávio, esse fator é potencializado pelas investigações de “rachadinhas” na Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) e a descredibilização geral do campo bolsonarista após condenação de aliados por golpe de Estado.
A formalização da candidatura também altera cálculos de lideranças que vinham mantendo a possibilidade de disputar a presidência enquanto aguardavam a posição de Bolsonaro. Governadores como Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Ronaldo Caiado (União Brasil), além de articulações conduzidas pelo PSD, dependiam desse movimento para reorganizar estratégias.
“A decisão funciona como ultimato para o campo da direita. Tarcísio terá de decidir se concorre independentemente do apoio bolsonarista. Caiado já indicou que disputaria mesmo sem Bolsonaro. O PSD, por sua vez, precisa definir se adotará neutralidade, apoio à Flávio ou se lançará um nome próprio.”, avalia Catelano.