Pablo Valadares

Diante da inoperância e da apatia do governo federal em relação ao avanço do coronavírus, deputados e senadores estão assumindo a dianteira no combate à epidemia. Até o começo da semana, o presidente Jair Bolsonaro chamava a propagação da doença de fantasia e de invenção da grande mídia. Passados alguns dias, seu secretário da Comunicação, Fábio Wajngarten, foi diagnosticado com o Covid-19, e o próprio presidente fez o exame na quinta-feira 12, e já ali temia estar contaminado — ele foi aconselhado a permanecer isolado na residência oficial. O problema é gravíssimo e membros da cúpula do Congresso se incomodaram com o desleixo de Bolsonaro em tratar do assunto. Numa reunião de emergência sobre o coronavírus na quarta-feira 11 com o ministro da Economia, Paulo Guedes, os parlamentares reclamaram da “reação tardia” do governo para reconhecer a gravidade da situação. O Palácio do Planalto está sendo tratado como desorganizado e incapaz de lidar com o problema. Guedes se perdeu no debate e passou a “dar aula de história” e a eximir o Executivo de responsabilidade. Pouco falou da epidemia. Apenas o ministro Luiz Henrique Mandetta, que parece ser a voz mais responsável do governo, tratou do assunto e traçou um cenário de contágio em espiral a partir da semana que vem. Isso significa que a doença passará a avançar exponencialmente.

 

VIAGEM CONTAGIOSA Vários membros da comitiva que viajou com Bolsonaro para a Flórida podem estar contaminados, inclusive o próprio presidente e sua mulher, Michelle. Trump também está sob observação (Crédito: Zak BENNETT / AFP)

O Ministério da Saúde confirma 76 casos no País, além de 1427 casos suspeitos, mas os números não computam dois doentes em Pernambuco, um terceiro infectado na Bahia e 16 casos confirmados pelo Hospital Albert Einstein, em São Paulo. A doença tem uma impressionante velocidade de contágio e sua letalidade, na medida em que alcança populações mais vulneráveis, tem aumentado – no começo da epidemia em Wuhan, na China, ela era de 2% e, na Itália, por exemplo, se aproxima de 4%. O maior risco é enfrentado pela população idosa. Homens e mulheres de 60 a 80 anos têm 17% de chances de morrer pelo coronavírus. Já entre os maiores de 80, essa taxa chega a 30%, ou seja, um em cada três contaminados nessa faixa etária corre alto risco de morte. Mandetta prevê um efeito devastador para o sistema público de saúde por causa da propagação do coronavírus e da demanda por internações e pediu recursos para enfrentar a crise sanitária. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que o Parlamento está aberto para ajudar o governo a reforçar ações de combate à epidemia e se comprometeu a liberar créditos extras para a saúde. O deputado Domingos Neto (PSD-CE), relator-geral do orçamento de 2020, disse que o Legislativo irá ceder R$ 5 bilhões das emendas parlamentares para combater o coronavírus.

Aglomerações favorecem propagação do vírus. A blogueira Gabriel Pugliesi foi infectada no casamento da irmã. Protestos do dia 15 assustam

Em São Paulo, estado que concentra o maior número de casos confirmados, 41, o governador João Doria anunciou a instalação de mais mil leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), a compra de equipamentos e medicamentos e a contratação de mais profissionais de saúde para prevenir e combater o coronavírus. Segundo o coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus do Estado de São Paulo, o infectologista David Uip, dos mil novos leitos de UTI, 600 serão abertos na capital e 400 no interior.

BRASILEIROS EM MIAMI Já há uma corrida nos supermercados nos Estados Unidos para estocar alimentos (Crédito:Divulgação)
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Ele prevê que, dentro de quatro meses, 45 mil pessoas estarão infectadas pelo Covid-19 na região metropolitana de São Paulo. Pelo menos dez mil leitos de UTI serão necessários, já que 20% dos infectados desenvolvem casos severos da doença. Numa reunião de médicos no Instituto do Coração (InCor), Uip afirmou que, a partir de quarta-feira 11, os casos iriam explodir porque passou a haver transmissão comunitária no País, não só em que foi viajar, mas também em quem não foi. Há o risco de pegar a doença num ônibus ou num bar. O cardiologista Fábio Jatene, que divulgou um arquivo de áudio sobre a reunião, disse que é preciso ter muito cuidado com pessoas idosas, que não devem se expor de jeito nenhum para tentar reduzir ao máximo a possibilidade de contágio. “Essa é uma doença que mata velho e não mata jovem”, afirmou. Depois que a doença se instala, o pico de piora dura de 5 a 7 dias. Os leitos de UTI são necessários para que os pacientes sejam rapidamente entubados. A média de tempo de ventilação por tubo na China e na Itália tem sido de três semanas para recuperação dos enfermos.

Eventos e grandes aglomerações começam a ser cancelados e evitados para impedir que a doença se propague ainda mais velozmente. O próprio Congresso, onde circulam cerca de 20 mil pessoas por dia, estará com acesso mais restrito a partir desta semana e poderá interromper totalmente os trabalhos. Universidades como a Unicamp suspenderam as aulas em todas as faculdades até o dia 29 de março. No Insper, houve cancelamento de aulas e na USP elas foram suspensas no curso de Geografia, onde um aluno testou positivo. Programas de auditório na TV estão cogitando a possibilidade de fazer suas gravações sem plateia para evitar aglomerações. A festa de casamento de Marcelo Bezerra com Marcella Minelli, irmã da blogueira fitness Gabriela Pugliesi, em Itacaré, na Bahia, gerou um enorme pânico entre seus 500 convidados. Um deles, um jovem de 26 anos que esteve em Aspen (EUA), estava contaminado. A própria Gabriela Pugliesi já testou positivo para a doença.

Empresas e bancos também estão mudando sua rotina de trabalho. O BNDES passou a trabalhar em home office desde sexta-feira 7 e funcionários que viajaram para fora do Brasil devem ficar 14 dias em quarentena. No Tribunal Superior do Trabalho foi implantado o home office de duas semanas para todos que voltaram do exterior. Os organizadores das manifestações a favor do governo no domingo 15 também estão considerando o cancelamento do evento. “Temos que acompanhar a questão da saúde em primeiro lugar. Precisamos ter responsabilidade”, disse a deputada Bia Kicis (PSL-DF), uma das organizadoras do protesto. Se não tiverem responsabilidade, os apoiadores de Bolsonaro correm o risco de engrossar as listas de contaminados pelo Covid-19, como alertou o ministro Mandetta.

As autoridades sanitárias estão recomendando que as pessoas permaneçam no País e não viajem. Há qualquer momento, o Brasil poderá fechar as fronteiras e aeroportos, como fez Donald Trump nos Estados Unidos. Uma situação como a que se verifica na Itália, com uma quarentena de abrangência nacional, pode se repetir no Brasil. O Ministério da Saúde, em uma reação tardia, lançou um edital, quinta-feira 12, para colocar 5811 médicos extras em postos de saúde de todo o Brasil até o início de abril. O número equivale ao total de médicos que se pretendia contratar para o programa Mais Médicos. Para liberar a rede de saúde e mais leitos de UTI pelo Brasil, está sendo proposto também o adiamento de cirurgias eletivas. Depois de se manter paralisado, o governo finalmente começa a se mexer. Pode ser, porém, que seja tarde demais para evitar uma situação catastrófica.

Governo em quarentena

O presidente Jair Bolsonaro e a comitiva de 21 pessoas que viajou com ele para a Flórida, nos Estados Unidos, estão passando por exames para detecção do coronavírus. Entre os participantes da comitiva estavam a mulher do presidente, Michelle, seu filho, o deputado federal Eduardo, e o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Já foi confirmada a infecção do secretário da Comunicação, Fábio Wajngarten, que testou positivo depois de exames no hospital Albert Einstein. Como ele participou da reunião com o presidente americano Donald Trump, a embaixada dos Estados Unidos pediu informações sobre o estado de saúde de Wajngarten. O próprio Trump pode ter contraído a doença.