O novo governo a ser instalado no Palácio do Planalto a 1º de janeiro de 2023 tem de ter como foco central a compreensão do momento político-eleitoral de 2022. Ou seja, a eleição presidencial foi um plebiscito não de Jair Bolsonaro, mas do Partido dos Trabalhadores – mais do que sobre Luiz Inácio Lula da Silva. O que isto quer dizer? Os quase 14 anos de governo do PT deixaram algumas marcas políticas – para seus opositores, mais ou menos radicais — marcas que vão demorar anos para serem apagadas. Principalmente as duas presidências Dilma Rousseff, sua forma de fazer política, as relações com os graves problemas nacionais e o desastre econômico do triênio 2014-2016, o pior da história econômica republicana.

O governo Bolsonaro — o mais calamitoso desde 1889 — quase conseguiu obter a reeleição, A derrota foi por uma margem mínima. Como explicar que durante um quadriênio assistimos cenas inimagináveis, um descalabro administrativo que não encontra paralelo na nossa história, o decoro presidencial sendo cotidianamente ignorado e mesmo assim milhões de brasileiros sufragaram o nome do responsável pela mais grave tragédia sanitária do Brasil como a pandemia da Covid-19?
Não é possível supor que milhões de brasileiros que votaram em Bolsonaro são extremistas, desprezam as instituições, querem o retorno da ditadura, são racistas, etc, etc. Não. Votaram contra o PT, contra algumas mazelas que foram realizadas nos
seus governos e nas construções propagandísticas do gabinete do ódio – que partiam de fatos, mas, evidentemente, distorcendo-os dentro da perspectiva negadora dos valores democráticos. Em outras palavras, foram perdidos anos e anos no processo de construção de uma cultura política tendo como base a Constituição de 1988. Se tal tivesse ocorrido e a “res publica” tivesse sido tratada efetivamente em defesa do interesse geral, não haveria terreno para frutificar o autoritarismo.

O ano de 2023 não poderá ser uma repetição de 2003. É indispensável um governo de união nacional

O desafio do novo governo é de respeitar o resultado do segundo turno, a formação de uma frente ampla democrática. O ano de 2023 não poderá ser uma repetição de 2003. É indispensável um governo de união nacional. Evidentemente que deverá ter a hegemonia do PT. Quanto a isso, não se discute. Mas hegemonia não significa domínio completo, exclusivo do governo, das suas políticas, do seu rumo, dos cargos e objetivos, da relação com o Congresso, com o Judiciário, com a sociedade. Se tal ocorrer, a barbárie voltará. E pior, potencializada.