Voltou-se a falar do artigo 142 da Constituição Federal e, em decorrência, voltou-se à polêmica que alguns juristas, muitos políticos e uma infinidade de militares criam sobre ele.

O artigo 142 define o papel das Forças Armadas: “as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer desses, da lei e da ordem”.

Dada a definição, vai-se ao ponto: o que está em jogo é a hermenêutica do artigo por parte de não defensores plenos do Estado Democrático de Direito, alguns deles sonhando diuturnamente com golpes políticos e regimes totalitários.

Passado o Carnaval, o PT pretende agora obter na Câmara dos Deputados as 171 assinaturas de parlamentares necessárias para a apresentação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) em relação ao artigo 142.

O que se pretende, alterando a redação do artigo em questão, é deixar claro, de uma vez por todas, o que já está claro — embora ombros estrelados não entendam ou não queiram entender, o artigo 142, em nenhum momento, outorga às Forças Armadas o papel ou função de Poder Moderador. Quem julga o contrário cai em equívoco perigoso à democracia.

Desde a Assembleia Constituinte, e aqui se fala de 1987 e 1988, o artigo 142 é problema para a democracia. Em sua redação original, da qual participou o deputado Bernardo Cabral, dele não constava expressamente a função de “garantia da lei e da ordem”, até porque o Brasil acabava de sair da ditadura militar e ingressava na redemocratização. As Forças Armadas, justificadamente, eram vistas com reservas pelos parlamentares.

As Forças Armadas conseguiram, porém, que “a garantia da lei e da ordem” fosse introduzida. Chegou-se, finalmente, a um meio-termo garantidor da democracia e do Estado de Direito, graças ao conhecimento teórico e pratico do então senador Fernando Henrique Cardoso em matéria de ciência política: às Forças Armadas cabe “garantir a lei e a ordem” desde que chamadas por um dos Poderes Republicanos (Legislativo, Executivo ou Judiciário) — e, assim mesmo, com margem restrita de atuação pontual e datada.

Ou seja: pela redação final do artigo 142 está claro que as Forças Armadas estão condicionadas à convocação dos Poderes civis. As Forças Armadas estão subordinadas aos Poderes civis. As Forças Armadas não são, portanto, um Poder Moderador. As Forças Armadas devem zelar pela soberania nacional e incolumidade territorial do País – mas as Forças Armadas não são um Poder.

A iniciativa do PT é boa. Ainda assim, no entanto, mesmo que se altere definitivamente a redação do artigo e retire-se dele a “garantia da lei e da ordem”, ou se deixe mais explícito ainda a subordinação das Forças Armadas aos Poderes Republicanos que têm a prerrogativa e discricionariedade de convocá-las, haverá sempre aqueles (democratas de momento, não de raiz) que distorcem o que está escrito porque, na verdade, querem uma porta entreaberta para dúbias interpretações.

A bom entendedor meia palavra basta; a mau entendedor mil palavras inteiras são insuficientes. Infelizmente, é assim.