Presidentes da República anseiam em perpetuar suas ideias nos livros. No Brasil, vários presidentes se tornaram membros da Academia Brasileira de Letras, como Getúlio Vargas, José Sarney e Fernando Henrique Cardoso. Imortalidade acadêmica foi o devaneio do poeta Michel Temer, que lançou em 2012 a coletânea “Anônima Identidade” — mas a recepção da obra não foi muito calorosa, a ponto de um resenhista ter afirmado que alguns de seus poemas mereceriam o impeachment.

Em comparação ao discreto prurido bel letrístico brasileiro, porém, a ambição americana não parece ter limites. Desde George Washington, os mandatários americanos têm divulgado memórias e miscelâneas de cartas, reflexões e discursos. Alguns publicam antes de serem eleitos, como John Kennedy, com “Profiles in Courage”, de 1955, sobre heróis nos quais se projetava, e Barack Obama, com duas autobiografias: “Sonhos de meu Pai”, de 1995, e “A Audácia da Esperança”, de 2006. São títulos que tanto obtiveram prêmios como serviram para moldar os perfis dos candidatos em campanhas vitoriosas.

Mas a maioria espera deixar a presidência para fazer balanço de carreira. Na narrativa ex-presidencial, dominam as façanhas dos narradores, em primeira pessoa. Bill Clinton merece o título de o literato mais ambicioso entre todos os ex-presidentes americanos — e o mais eufórico. “Adoro escrever, quando posso”, disse. “Mas minha agenda lotada me transformou em um leitor compulsivo. Leio em todo lugar, até no carro, quando não estou cansado.”

Mesmo assim, arranja tempo para escrever livros. Em 2004, publicou “My Life” em 2004 — e sete anos depois, como a vida não tinha acabado, perpetrou “Back to Work” (De volta ao Trabalho), profissão de fé no sonho americano que ele encarnar. Mas Clinton quer ir além. Para fugir do próprio umbigo, inovar e superar os concorrentes do passado, faz uma proeza inédita: literatura policial. Há um mês, lançou seu quinto título, o suspense “O Dia em que o Presidente Desapareceu”, agora no Brasil pela editora Record. O romance foi redigido com o autor de thrillers psicológicos James Patterson, autor que Clinton aprecia, bem como outros astros do gênero, como Lee Child e Harlan Coben. “Devoro thrillers”, afirmou ao “New York Times Book Review”.

“Adoro escrever, quando posso. Mas minha agenda lotada me transformou em um leitor compulsivo” Bill Clinton, ex-presidente dos Estados Unidos

Patterson emprestou a técnica, ao passo que Clinton colaborou com “inside information” sobre os bastidores de um presidente na Casa Branca cercado de bajuladores e inimigos mortais. A vida não é fácil para o presidente Jonathan Duncan, protagonista e narrador do romance (Clinton não escapou da primeira pessoa). Ele planeja rechaçar os inimigos da democracia, como Sulimon Cindoruk, líder da organização terrorista Filhos da Jihad. Encontra a oposição dos congressistas, que o acusam de impor a liberdade ao mundo com as próprias mãos. Duncan some e provoca um tumulto em Washington. Sobre o resto é melhor calar, porque duas reviravoltas surpreendentes são reservadas ao final. Conseguirá o presidente Jon Duncan salvar a democracia?

Dentro do poder

O livro foi exaltado por alguns críticos e enxovalhado por outros. “É um bom livro”, diz Nicolle Wallace, do “New York Times”. “Não só pelo enredo, mas também pela exposição realista de pessoas que trabalham no governo, dos funcionários leais aos inescrupulosos”. Segundo Anthony Lane, da revista “The New Yorker”, a dupla bateu cabeça: “É menos uma parceria que uma concussão”, diz. “Ainda assim, o livro traz uma leitura agradável. Está repleto de conselhos sábios sobre política, mas é escandalosamente desprovido de perseguição de carro, bombas e helicópteros carregados de mísseis.” Para Lane, escrever é uma das coisas que as pessoas devem fazer sozinhas para obter bons resultados.

Bill Clinton assimilou as críticas e aceitou os conselhos. Afirma que irá voltar a escrever sozinho… outros romances de suspense.