São Raimundo Nonato, Piauí, 30/7 (Crédito:Alan Santos/PR)

A dois anos e meio das eleições presidenciais, Jair Bolsonaro tem se esmerado em uma agenda digna de candidato.

Nos últimos dias, adotou um programa de viagens pelo País. Em Campo Alegre de Lourdes (BA), inaugurou uma adutora do rio São Francisco. Em São Raimundo Nonato (PI), pousou montado em um cavalo. Em Bagé, empunhou uma caixa de cloroquina aos apoiadores, elogiou o general Emílio Médici, o terceiro presidente da ditadura, e cumprimentou populares com aperto de mãos e sem máscara, sendo ovacionado como “mito”.

Descerrou ainda a placa de uma escola cívico-militar e assistiu a uma apresentação de poesia gaúcha e músicas regionais. O plano do presidente é participar de um evento por semana. As próximas paradas seriam na Baixada Santista e no Vale do Ribeira, em São Paulo, para visitar a obra de uma ponte em Eldorado, cidade de 15 mil habitantes onde vivem sua mãe e familiares.

O Nordeste será revisitado em seguida. Nesse périplo populista, o presidente exibe um discurso eleitoreiro e sem sentido, já que não participará da campanha para as eleições municipais, seja porque não quer se envolver com os candidatos, seja porque seu novo partido, o Aliança pelo Brasil, não saiu do papel. Mesmo assim, tem seguido uma verdadeira campanha antecipada. “Bolsonaro deixou de governar para pensar em 2022”, diz Luciano Bivar, presidente do PSL.

Na verdade, pode-se dizer que Bolsonaro nunca desceu do palanque, pois nunca trocou o embate político pela responsabilidade de governar para todos. Nunca liderou de fato o País.

NOVA FASE

A nova fase, menos beligerante e mergulhando nos grotões, aconteceu por um cálculo político. A inflexão ocorreu após a prisão de Fabrício Queiroz e a demissão do ministro Sergio Moro. Com elas, ruiu a imagem de um político comprometido contra a corrupção. Como consequência, diminuiu o apoio da classe média nos grandes centros urbanos. Bolsonaro não pode contar com o suporte que obteve nas eleições de 2018, quando o Sudeste e o Sul formaram sua principal base eleitoral. Para as próximas eleições, o jogo será diferente. Na avaliação do Palácio do Planalto, até o momento o presidente tem mantido o apoio de um terço do eleitorado. Se conquistar o Nordeste, segundo maior colégio eleitoral do País, pode garantir a reeleição. Pelo menos esse é o plano. Para manter a governabilidade e evitar a ameaça de impeachment, Bolsonaro também apostou no Centrão, o grupo de partidos fisiológicos do Congresso. Na sua viagem ao Piauí, por exemplo, foi ciceroneado pelo senador Ciro Nogueira, o presidente do PP que foi aliado histórico de Lula e está enrolado na Lava Jato. Um dos principais nomes do Centrão, Nogueira pareceu entusiasmado com sua conversão bolsonarista. E ele também convém a Bolsonaro, que perdeu para o Fernando Haddad nas últimas eleições no Piauí de forma acachapante — o petista conquistou 77% dos votos válidos. Ainda faz parte da nova estratégia a criação do Renda Brasil, programa que sucederá o Bolsa Família, que garantiu o apoio do Nordeste ao PT nas últimas eleições. Bolsonaro percebeu que o auxílio emergencial de R$ 600 virou uma arma poderosa, por isso aposta nessa nova marca social. Apenas por causa do programa, a proporção de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza caiu aos menores índices em pelo menos 40 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Porém, virar o rei do Nordeste não será uma tarefa óbvia. Bolsonaro precisará enfrentar a maioria dos governadores, que são de oposição. Além disso, a região teve investimentos robustos dos governos petistas.

Bagé, Rio Grande do Sul, 31/7 (Crédito:Alan Santos/PR)

FOCO NO NORDESTE

“Ainda é cedo para saber se a estratégia de Bolsonaro de alterar seu perfil de eleitor dará certo. Esse foi o caso de Lula depois do escândalo de Mensalão. O eleitorado com maior escolaridade, de maior renda e do Sudeste, que votou massivamente em Lula em 2002, abandonou o petista após 2005”, diz o cientista político Carlos Pereira, da Ebape/FGV. Por meio de políticas de inclusão social, o petista conseguiu atrair em 2006 o voto dos eleitores mais pobres, com menor escolaridade e do Nordeste. Mas nada garante que Bolsonaro conseguirá bancar os novos projetos assistenciais. “Se o auxílio emergencial não tivesse data para acabar, provavelmente o presidente seria também bem sucedido nessa estratégia. O eleitor beneficiado pelas políticas de inclusão não é necessariamente ‘lulista’ e nem ‘bolsonarista’. É acima de tudo pragmático. Se o governo de plantão ofertar políticas inclusivas a tendência é que tenha condições de se beneficiar eleitoralmente”, diz Pereira. “Bolsonaro teria que mudar muito, pessoalmente e administrativamente, para ter maioria no Nordeste. Precisaria de um programa com várias ações.

Até agora, ele faz um governo muito fraco”, desdenha Flávio Dino (PCdoB), governador do Maranhão. Não será tarefa óbvia cativar o eleitorado que torceu o nariz para o presidente em 2018. Além de enfrentar uma recessão histórica, e sem contar com fundos para embalar o Renda Brasil, Bolsonaro ainda terá de prestar contas sobre suas ações irresponsáveis durante a pandemia — e o milagre da cloroquina pode não se materializar também nas urnas.