Como secretário de Saúde de São Paulo, Edson Aparecido está no centro de comando do núcleo que acompanha a crise provocada pela Covid-19 na cidade, que já está inserida no epicentro da doença a nível mundial. O Brasil já é o sétimo país com o maior número de casos de coronavírus e São Paulo detém quase 40% dos casos do País, atingindo 38 mil pessoas infectadas e mais de 3.000 mortes. Por estar convivendo diariamente com a tragédia é que ele está convencido de que São Paulo deve continuar adotando a política de isolamento social para evitar o agravamento da doença, previsto para os próximos dias. Neste domingo, 10, terminaria a quarentena decretada pelo governador João Doria e pelo prefeito Bruno Covas, mas Edson Aparecido defende que a medida seja prorrogada, pois dentro de 15 dias poderemos ter uma explosão no número de mortes caso o isolamento seja relaxado. O secretário tem números para afirmar que não fosse o isolamento posto em prática, o Estado já teria registrado 30 mil mortes a mais do que as contabilizadas agora. Para ele, a postura do presidente Bolsonaro de contrariar o isolamento é inconcebível: “o presidente mostra uma insensibilidade muito grande com a morte”.

O isolamento social em São Paulo está previsto para terminar neste domingo, 10. Ele será ampliado?
Os números da última semana tiveram um avanço bastante significativo. Tanto o número de casos suspeitos, de casos confirmados e de óbitos aumentou significativamente. Fizemos uma avaliação nesta semana de que o sucesso dos 25 dias de isolamento no Estado de São Paulo seguramente fez com que a gente preservasse quase 30 mil vidas na capital. Por quê? No boletim de hoje (segunda-feira,4), entre mortes confirmadas e mortes suspeitas, temos 3.917 pessoas. Ou seja, 1.775 casos confirmados e 2.142 suspeitos. A avaliação de todos nós é que o isolamento social permitiu que a gente preservasse dez vezes mais vidas. Nos últimos dias de abril, e nos primeiros dias de maio, nossos dados mostram que o fluxo de circulação de pessoas na cidade voltou a crescer. Todos esses números indicam que seguramente deveremos ter um agravamento da situação epidemiológica da cidade nos próximos 15 dias. Então, a preocupação do prefeito e do governador é que a gente tenha nesta semana um cenário mais preciso para definir o que faremos a partir do dia 10.

Mas muito provavelmente o isolamento social não será relaxado, certo?
Não. Pelos números que a gente tem, não será possível suspender as medidas de isolamento social na cidade. E não é só a cidade. É a região metropolitana de São Paulo, que praticamente é uma cidade só. Nos dois hospitais de campanha que temos hoje (no Pacaembu e no Anhembi), temos 243 pessoas de municípios da região metropolitana. Quatorze cidades da região metropolitana não têm um único leito de UTI. Com os números do que vem acontecendo nos últimos dias, é muito difícil deixarmos de continuar impondo as medidas de restrição. Tanto é que já começamos a testar os bloqueios das principais avenidas de São Paulo.

Para impor essas medidas de contenção no trânsito, haverá a necessidade de chamar a PM para obrigar as pessoas a voltarem para casa?
Não vai ter força de segurança. Até agora estamos obtendo sucesso nas medidas do isolamento. Quando falamos que 48% das pessoas permanecem em casa, estamos dizendo que são 6 milhões de pessoas que estão se mantendo em casa, seguindo as orientações do serviço sanitário, as recomendações da OMS. Estamos mostrando que a melhor maneira é pelo caminho educativo, o convencimento das pessoas, sem o uso de força policial.

O presidente do STF, Dias Toffoli, diz que a Constituição não permite a prisão para os que burlarem a quarentena. Então, como impedir o livre trânsito das pessoas sem desrespeitar a Constituição?
Não se pode restringir o direito de ir e vir das pessoas. Por isso, o esforço que estamos fazendo até agora é no sentido de convencer as pessoas, mostrando o quadro do agravamento da doença. Por isso, a gente vai continuar insistindo nessa linha de conscientização.

A prefeitura pode decretar o lockdown?
Essa hipótese não foi aventada como medida de restrição. Primeiro, porque até alguns dias atrás a adesão da população foi importante, passou dos 55%. Nunca discutimos a possibilidade de determinar a paralisação total da cidade.

O prefeito Bruno Covas e o governador João Doria pedem para que todos fiquem em casa, mas Bolsonaro incita para que todos voltem ao normal. Se a população obedecer o presidente, poderemos virar uma Itália ou Espanha, com corpos empilhados nos hospitais?
Não se pode voltar ao normal, agora, porque as coisas não estão normais. Temos um acumulo de mortes no País. Os números que nós temos provam que as coisas não estão normais. É fundamental que as pessoas continuem no processo de isolamento, para possibilitar a organização o sistema de saúde. Tanto que os prefeitos e os governadores do País adotam um posicionamento unânime, contrário ao do presidente.

Se chegarmos à situação de corpos empilhados nos cemitérios de São Paulo, o presidente será responsabilizado por isso?
O presidente tem responsabilidade no conjunto das coisas. Afinal, tanto seu antigo ministro da Saúde, como o atual, se posicionaram pela necessidade do isolamento. Quando o presidente não segue as orientações da autoridade da Saúde, que é o ministro da Saúde, ele passa um exemplo errado, incorreto para a população. Ele minimiza um problema que já se mostrou sério em todo o mundo.

Bolsonaro tem se mostrado irresponsável nesse seu posicionamento?
Ele não está levando em consideração o que todos os chefes de Estado do mundo fizeram de forma objetiva, que foi preparar a sociedade para o enfrentamento de um inimigo que se mostra muito poderoso. Ele é o único chefe de Estado que toma uma posição divergente da unanimidade dos líderes mundiais.

Há os que dizem que Bolsonaro pode ser responsabilizado nos tribunais internacionais por genocídio contra a população. Como o senhor vê esse tipo de acusação?
O importante é a gente fazer um esforço adicional, com o Congresso, os governadores e seu ministério, para convencê-lo que estamos passando por um momento grave e que precisamos concentrar toda a nossa energia no combate ao coronavírus. Todos temos que fazer a coisa certa nessa hora e o presidente precisa se convencer da necessidade de ele assumir a liderança nacional nesse processo.

O presidente tem dito que os governadores serão responsáveis pela crise econômica que virá depois da pandemia. Ele se preocupa mais com a economia do que com a vida das pessoas?
A pandemia no mundo todo, assim como no Brasil, não desorganizou só o sistema de saúde. Desorganizou a economia, criou problemas sociais de dimensões globais. Então, não é o caso de discutirmos o que é mais importante, se é o emprego ou se é a vida. Trata-se de preservamos as vidas e de rapidamente recuperarmos a economia, o emprego.

Os especialistas dizem que o pico da Covid-19 ainda virá em meados de maio e início de junho. O senhor acha que faltarão leitos de UTI ou mesmo médicos e hospitais para todos?
Se não tivermos um pouco mais de tempo para preparar melhor o sistema de saúde, espaçarmos o fluxo de pessoas nos hospitais, é evidente que vamos ter dificuldades. O que estamos vendo em algumas capitais já é o esgotamento dos serviços de saúde. Em São Paulo, temos uma estrutura maior. Temos mil equipamentos de saúde, 21 hospitais, 84 mil funcionários. Só para o enfrentamento do coronavírus o prefeito Bruno Covas destinou R$ 1,1 bilhão. Mesmo com tudo isso, a demanda por um leito de hospital, o atendimento na atenção básica, acontecendo tudo ao mesmo tempo, não há sistema de saúde que suporte. O da Europa não suportou, o da Ásia não suportou. O americano não está suportando. Então é um desafio enorme.

Poderemos ter o caos, com gente morrendo corredor, sem UTI ou uma simples enfermaria?
Estamos trabalhando para não chegar a esse ponto. Até agora, suportamos. São quase 64 dias desde quando tivemos a primeira notificação, em 26 de fevereiro, e estamos dando conta. O prefeito autorizou a contratação de leitos da rede privada também. Então, a nossa mobilização é grande no sentido de que o pior não aconteça.

No Equador, e até aqui em São Paulo, vimos alguns casos de pessoas morrendo em casa porque não havia leitos para o atendimento em hospitais. Como evitar que as pessoas morram em casa por falta de atendimento?
Nós temos um sistema muito capilarizado, com 10 mil agentes comunitários de saúde, programa de saúde da família, de acompanhamento das pessoas, que é bastante amplo. Estamos fazendo o atendimento de pessoas com sintomas mais leves nos hospitais de campanha e isso tem evitado as mortes em residências, embora elas cheguem a acontecer em bom número.

O governo federal mudou o ministro da Saúde no meio da pandemia. A troca de ministro afetou a política que o Ministério da Saúde vinha desenvolvendo?
O novo ministro, Nelson Teich, tem se colocado na mesma linha do ex-ministro Mandetta, e vem adotando a política que a equipe anterior vinha desenvolvendo, de fazer o isolamento, preparando o sistema de saúde para o atendimento em maior escala, mas a mudança de equipe com o jogo em andamento sempre atrapalha um pouco. Sob o ponto de vista de conduta, o novo ministro tem se portado como o ministro anterior.

O novo ministro da Saúde, Nelson Teich, tem se mostrado alheio aos problemas nos estados e municípios?
A equipe do novo ministro já entrou em contato conosco, fizemos reuniões por teleconferência, tem mostrado preocupação com os locais mais afetados, foi positivo ter ido a Manaus ver a situação de perto neste final de semana. E estamos recebendo recursos do Ministério, mantendo um canal de negociações com o governo.

O governador Doria disse que o presidente deveria deixar o “mundinho do ódio” dele em Brasília e visitar os hospitais lotados para se sensibilizar com o drama da Covid. O senhor acha que está faltando sensibilidade ao presidente?
Quando o presidente dá os sinais que ele tem dado, de não levar em conta as orientações das autoridades da saúde, minimizando um problema sério, que está matando muitas pessoas, na prática o presidente mostra uma insensibilidade muito grande com a morte, com a dor que as famílias estão sentindo. Por isso, se ele estivesse visitando os Estados, as capitais, poderia dar uma demonstração de maior apreço pela vida das pessoas.

O senhor que tem visitado os hospitais, o que mais tem lhe emocionado?
A dedicação dos profissionais da saúde é uma coisa impressionante. Temos que reconhecer que nós temos um sistema de assistência à saúde, que é o SUS, que nenhum outro país do mundo tem. Uma das coisas mais importantes que poderemos tirar de lição da pandemia é o reconhecimento da importância do SUS.

Os profissionais de saúde também estão sendo atingidos pela Covid-19. Está falando equipamentos de proteção para eles?
Nós conseguimos fazer uma aquisição grande de equipamentos de saúde, de EPIs, de máscaras, o que tem feito com que a gente possa abastecer toda a nossa rede. Para se ter uma ideia, nosso sistema consumia 250 mil máscaras por mês e estamos consumindo 500 mil por semana. E a gente ainda nem entrou no momento mais grave da pandemia.
Temos visto centenas de covas rasas em cemitérios. Isso significa que há uma subnotificação grande de casos?
Na realidade, como tivemos um problema sério, que foi o da baixa testagem, houve um problema ou outro. Mas aqui em São Paulo nós estamos considerando os casos suspeitos como casos de probabilidade de Covid-19. É que agora as coisas estão acontecendo numa velocidade muito grande e é evidente que o sistema sempre registre alguns problemas. Mas nas duas últimas semanas conseguimos avançar muito nesse processo de notificações, mas é bem provável que os números sejam maiores do que os oficiais.

Como o senhor vê os riscos que o prefeito Bruno Covas corre ao se colocar na linha de frente do combate à Covid, já que ele trata-se de um câncer e está no grupo de risco?
Ele corre muitos riscos. Está em pleno tratamento oncológico e desde que a doença apareceu foi para a linha de frente do combate do coronavírus, trocou a sua casa pelo gabinete, está morando na prefeitura há mais de 60 dias. Ou seja, a disposição dele é impressionante: mobilizou todas as áreas de governo, saúde, assistência social, direitos humanos e fez ações de compras de equipamentos, acompanhadas pelo Tribunal de Contas e pela Câmara Municipal. Então, deu uma grande demonstração de abnegação.

E senhor, que visita hospitais e doentes diariamente, não teme se contaminar?
É um risco que corremos. Eu também sai de um câncer há dois anos e a gente sempre fica com receio, mas não tem outro jeito. Temos que estar na linha de frente, preparar nosso sistema de saúde, articular o setor privado com o público. Mas os nossos profissionais da saúde estão muito mais submetidos ao risco do que a gente. O médico, o enfermeiro, os funcionários das UTIs, correm muito mais riscos. Todos nós trabalhamos para salvar vidas.

O que o senhor tem visto, tem lhe emocionado?
Quando a gente vê o que está acontecendo, os relatos do dia a dia, os atos de solidariedade, é uma coisa que emociona. Quando a gente chega a noite em casa, muitas vezes dá uma vontade grande de chorar.