Os povos e as sociedades que subsistem na História são as que se especializam ao longo do tempo em uma determinada área, apresentando ao mundo uma proposta de valor inovadora e vantagem competitiva concreta. Quando isso não acontece essas sociedades ou se extinguem ou produzem civilizações fracas.

Existe um povo com uma história antiga que se especializou em viajar e no relacionamento com outras sociedades, mas, querendo a sorte e o destino que o seu território de origem fosse pequeno e pobre, ele encontrou no exercício de colecionar memórias transumantes, a sua vocação estratégica. Foi por isso que os povos da nossa língua sempre levaram seus livros muito a sério.

Este era um povo que amava tanto o mar, o longe e a distância que os seus homens e mulheres sempre aceitavam com alegria o desafio interior de partir à aventura.

Diz-se que esse povo não sabia resistir ao apelo do desconhecido e desde os tempos imemoriais não havia relatos de alguma vez terem hesitado entre ficar, ou escolher aquela nova rota do destino,,, a que mais tarde alguém haveria de chamar fado.

Um povo assim, sempre cheio de desejos de aventura e vontades permanentes de abandonar a sua terra de origem, chama para si muitas atenções épicas, mas também incorre em grandes perigos, nomeadamente não organizar bem a sua casa.

E como a exígua faixa de terra junto ao mar, de onde esse povo é originário, não abundava em campos férteis nem subsolos generosos, isso impelia-os – o que sem poesia significa obrigava-os – a partir.

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Como todos sabem foi essa secular necessidade, conjugada por uma intrépida vontade que lhes afiou o engenho, aguçou a vista, e os transformou em inventores da globalização.

E foram exatamente essas viagens, com todos os seus destinos e paragens, naufrágios e cabotagens, a origem de uma das características mais notáveis desse povo: serem colecionadores de memórias.

Como nenhuma outra gente, são ricos em adágios, aforismos e ditados populares; sendo tão exuberantes nas suas memórias de oralidade – (in)compreendidas entre profecias de Bandarra  e mitos de Sebastião – como, depois de Gutemberg ter inventado a letra solta –  compulsivos colecionadores de  livros.

Os livros são tão importantes para este povo que, quando, no dia de todos os santos em 1755, um terremoto lhes tirou para sempre a independência económica, o maior – talvez o único desígnio nacional – passou a ser reconstruir a magnífica biblioteca dos Reis que a fúria do destino e raiva do fogo lhes tirou.

Mais tarde quando esse povo se espalhou pelo mundo e foi originando outros povos que se transformaram – com erros e glórias – em outros povos ainda, e nos quatros cantos do mundo, haviam de continuar sendo os livros a ocupar o centro de importantes decisões políticas, como aconteceu uns anos mais tarde no Brasil.


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