A Argentina de Javier Milei é divida em iguais porções ideológicas – entre 47% e 51% da população apoiam o líder de extrema-
direita. Valem as mesmas percentagens para aqueles que o desaprovam. Surgiu nas conversas entre os argentinos favoráveis ao presidente uma curiosa expressão: “opção por acreditar”. Isso faz crer, na opinião de analistas, que parte desse suporte recebido por Milei não vem de gente que se posiciona de fato à direita, mas, sim, de parcelas populacionais que preferem, nesse primeiro momento, fortalecê-lo na expectativa de que o País saia do atoleiro econômico. Repita-se: não são direitistas convictos, e sim cidadãos, digamos, a pensar assim: “já que ele está no comando, vamos apoiá-lo para ver se a Argentina se salva”. Milei corre um risco: se as coisas não derem certo, tais extremistas de ocasião migrarão à ala que o desaprova. É como se eles dissessem para si, nas palavras do analista de pesquisas Diego Reynoso: “Vamos mal, mas queremos crer que melhorará”. Difícil pôquer: Milei terá de transformar par de setes em quadra de ases.

EUA
Conservador, Estado do Arizona aprova o aborto

O pôquer do presidente Javier Milei
Suprema Corte do Arizona: adeus à lei de 1864 (Crédito:Divulgação )

No início de abril, a Suprema Corte do Arizona, considerado um dos mais conservadores e retrógrados estados norte-americanos em matéria de direitos civis, revalidou uma lei de 1864. Segundo esse dispositivo, o aborto seria permitido somente quando a vida da gestante corresse risco de morte. A revalidação de uma legislação de 160 anos foi possível porque, no âmbito federal, a Suprema Corte dos EUA retirou a proteção ao aborto em 2022. Durou pouco, no entanto, a vitória do conservadorismo no Arizona — somente um mês. Na semana passada, a caquética lei foi revogada pelos senadores. A sanção da governadora democrata Katie Hobbs já foi dada informalmente porque ela manifestou em público o seu apoio à derrubada do velho princípio. O estado retornou, assim, à sua legislação de 2022, que permite a interrupção da gravidez nas primeiras quinze semanas de gestação. É forte baque na campanha de Donald Trump à Casa Branca, uma vez que ele tinha como certo o apoio do Arizona a todas as suas posições antiprogressitas.

O pôquer do presidente Javier Milei
Donald Trump: enfraquecido na campanha (Crédito:Divulgação )

EUROPA
Paul Valéry, Macron e Putin

Ao discursar recentemente na Universidade de Sorbonne, o presidente da França, Emmanuel Macron, deixou registrado na instituição um pronunciamento histórico. Na voz de alguns líderes, demonstrações de cultura soam pedantismo de quem leu orelha de livro na véspera do evento. Em Macron, a cultura lhe sai naturalmente — e, por isso, deve-se dar-lhe ouvidos. “A Europa é mortal”, disse o presidente francês, em uma referência ao escritor, filósofo e poeta simbolista Paul Valéry (1871-1945). E prosseguiu com a mesma objetividade: “No final da Primeira Guerra Mundial, Paul Valéry afirmou que as civilizações são mortais. Temos de ter a lucidez de perceber que a Europa pode morrer”. Para Macron, o mais perigoso inimigo chama-se Vladimir Putin, o presidente da Rússia que dorme e acorda traçando seus planos expansionistas. Só não enxerga quem não quer. A Ucrânia, por exemplo, de nada serve para a Rússia: Putin só deseja dominá-la porque é o trampolim para um mergulho armado no continente europeu. À sua época, Valéry sabia sobre o que falava. Em nossas palavras atuais, julga-se a Europa imortal, mas tem ela de trazer para o plano da consciência o ensinamento universal memento mori. Na semana passada, não foi brincadeira a atitude de Putin: ele ameaçou atacar alvos militares do Reino Unido se descobrir que armas britânicas estão fortalecendo a Ucrânia. E foi além, em uma ousadia até então que nunca demonstrara: ordenou um exercício de ataque com armas nucleares táticas, respondendo assim à proposta de Macron de enviar soldados e ajudar Kiev. Para um continente feito a Europa, que até descobriu há séculos a existência de outro continente (o nosso), chega a ser normal que se julgue perene. Mas a realidade é outra. É Macron indo buscar Valéry: “A Europa é mortal”.

O pôquer do presidente Javier Milei
Paul Valéry: “A Europa é mortal” (Crédito:Albert Harlingue)
O pôquer do presidente Javier Milei
Macron: alerta na Sorbonne (Crédito:Divulgação )