VANESSA CARVALHO

“Queria ter o super-poder de transformar preconceito em empatia”

ENTREVISTA
Rodrigo Santoro

Você é um ator internacional, recebe muitos convites para filmar. O que influencia na hora de dizer ‘sim’ a um projeto?

Não há uma fórmula. Penso no diretor, no elenco, mas no fundo acaba sendo a empatia e a química em relação ao roteiro. É mais instintivo do que racional. Há um processo baseado na vivência que tive, mas prefiro focar na experiência e na história que vou contar. Me sinto atraído quando o personagem me estimula de alguma forma.

O que te atraiu em “Project Power”?
Quando li o roteiro, logo percebi uma metáfora interessante sobre o poder. Isso foi em 2018, antes da pandemia e das manifestações dos últimos meses, mas segue muito atual. O tema “até onde o ser humano vai em busca de poder?” me interessou. Como filme de ação, não se propõe a aprofundar essas questões, mas levanta pontos importantes. É uma abordagem diferente, um filme sobre super-poderes, mas sem super-heróis.

Se existisse uma pílula que liberasse um poder especial, como no filme, o que você desejaria?
Se eu tivesse 13 anos, responderia uma coisa; se tivesse 26, responderia outra. Hoje estou praticamente com 45 (Santoro faz aniversário nesse sábado 22), sou pai de uma menina de três anos. Como ator, tento sempre me colocar no lugar do outro para compreender e humanizar o personagem. O super-poder que eu queria seria a neutralidade para me colocar no lugar do outro, sem julgamentos. Adoraria ter o super-poder de transformar preconceito em empatia.

“Eu me coloco no lugar do outro para humanizar o personagem”

Os atores Jamie Foxx e Joseph Gordon-Levitt revelaram nas redes sociais que você foi aplaudido pela equipe após uma cena, fato incomum em Hollywood. Como se sentiu ao ser elogiado por um ator que já ganhou o Oscar?
Não tenho vergonha de dizer que fiquei muito emocionado, não esperava que eles fossem trazer isso à tona. Era uma cena muito técnica em que usei próteses, passei por nove horas de maquiagem. Ao mesmo tempo, exigia uma transformação corporal desafiadora. Mesmo sem precisar, Jamie e Joseph acompanharam a filmagem. Quando terminou a cena foi uma comoção geral, aplausos, eles vieram me abraçar. Fiquei muito lisonjeado.

“Project Power” está no topo mundial das produções da Netflix. Por que você acha que ele conquistou o público?
Difícil responder, ninguém sabe dizer racionalmente. O filme é um fenômeno, ficou em primeiro lugar em 100 países no fim de semana de estreia. Esse cenário de isolamento deu força ao streaming. É um filme de ação, com elementos de super-heróis, bons efeitos especiais, bons atores. Acho que foi pelo conjunto, pelo filme em si.

A pandemia está transformando o mundo de diversas maneiras. Como isso afeta seu trabalho? Teremos menos salas de cinema e mais experiências individuais no futuro?
Amo ir ao cinema, a sala escura, a experiência de estarmos juntos. Espero que isso jamais deixe de existir. Por outro lado, o streaming tem sido uma grande companhia em tempos de pandemia. Não sei como atravessaríamos esse momento sem filmes e séries. O streaming também dá acesso a muita gente que não teria condição de ir tantas vezes ao cinema. A democratização é importante. Quanto às experiências individuais, não é futuro: isso já está presente em nossos celulares. Espero que exista espaço para as duas coisas.

Você atuou em sucessos nacionais como “Bicho de Sete Cabeças” e “Carandiru”. Como vê o cinema brasileiro hoje?
Nosso cinema já vinha de uma crise anterior e agora, com a pandemia, a situação só se agravou. Infelizmente há muitas produções paradas e milhares de profissionais estão sem trabalho. O cinema é uma indústria que gera empregos e precisamos enxergar nossa capacidade de produção, tanto na esfera privada quanto na pública, e desenvolver formas de captação para viabilizar novos projetos e amadurecer ainda mais o mercado. Não devemos nada a ninguém no mundo, nosso cinema tem produções incríveis e nível internacional.

Você está com uma carreira consolidada no exterior. O que um filme brasileiro deve ter para te atrair?
Não faço separação entre cinema brasileiro e internacional. A estrada é uma só, com terrenos diferentes e línguas diferentes. Meu olhar está mais na história, no personagem, independente do idioma. Interpretar em outro idioma dá um trabalho dobrado. Pouco antes da quarentena, atuei em um longa brasileiro (Santoro fez o papel de vilão em uma trama sobre escravidão moderna filmada na zona leste de São Paulo) e foi uma experiência incrível. O importante não é ser brasileiro ou americano. São as pessoas, os projetos.

Você faz muito bem papéis mais leves, mas ultimamente tem feito mais vilões. Isso virou uma marca sua?
Sei que existe o vilão e o mocinho na estrutura dramática, mas acho ótimo poder exercitar as duas coisas. Me dá a oportunidade de explorar universos diferentes e crescer profissionalmente. Vilões são mais interessantes e complexos, geram conflito, e isso é uma das bases do drama. Sempre busco coisas fora da minha zona de conforto para me aprimorar. Além disso, em Hollywood o protagonismo fica com os americanos. Já os vilões são sempre os estrangeiros, não apenas latinos, mas ingleses, russos, alemães…

Você tem um papel de destaque em “Westworld”, série que fala sobre inteligência artificial. Você gosta de tecnologia?
Desde que comecei a fazer a série, meu interesse por tecnologia cresceu muito. Comecei a ler sobre neurociência e descobri que tem tudo a ver com o que faço, com o ser humano. Estou fascinado com a maneira como a mente funciona. Mas não sou nem tão digital nem tão analógico. Gosto de trabalhar com roteiros impressos, por exemplo, onde posso fazer minhas anotações. No entanto, quando fiz o filme “O Tradutor”, onde tive de trabalhar com o idioma russo, fui salvo pelos aplicativos de idiomas do celular.

Ser ator era um sonho de criança?
Com toda a sinceridade do mundo, não pensava em atuar quando era criança, nem adolescente. Queria fazer o que você faz, ser jornalista. Estudei na PUC do Rio, mas não me formei. Comecei a fazer teatro como hobby e fiz a oficina de atores na Globo. Descobri que eu já tinha isso dentro de mim desde criança porque minha mãe me disse que eu gostava de reunir os primos e fazer encenações. Aí trabalhei em “Bicho de Sete Cabeças”, que foi exibido em festivais na Europa. Após uma sessão em Biarritz, na França, fui convidado para atuar em meu primeiro filme internacional, “Em Roma na Primavera” (2003), com Helen Mirren e Anne Brancroft. Não foi planejado, mas comecei a pensar que essa carreira poderia ser algo real. Eu mal falava inglês.

Hoje em dia você atua ao lado de grandes astros como Jim Carrey, Will Smith, Jamie Foxx. O que passa na sua cabeça quando você percebe que “chegou lá”?
Eu nem sei o que é “chegar lá” porque estou sempre em movimento. Não penso nisso porque me dá uma sensação de responsabilidade maior do que posso lidar. Claro que já entrei no set com o sentimento de estar no meio da Sessão da Tarde. Quando fui fazer a leitura de “Simplesmente Amor”, em Londres, sentei ao lado do Rowan Atkinson, o Mr. Bean, e Laura Linney. Na minha frente estavam Emma Thompson e Liam Neeson, atores que cresci admirando. Foram tão acessíveis que me acalmei. Trabalhei com muitos nomes bacanas, mas prefiro manter o foco nos personagens e nas histórias. A primeira estrela com quem trabalhei foi Helen Mirren. Quando cheguei no trailer para me maquiar, às cinco da manhã, ela me ofereceu chá, foi muito simpática.

Você está casado com a atriz Mel Fronckowiak e tem uma filha de três anos, Nina. O que mudou com a paternidade?
É uma mudança interna tão profunda que afeta tudo, desde as prioridades até a forma de ver o mundo. Tenho revisitado mais a minha infância, compreendo melhor meus pais. É um mergulho nesse amor incomparável, um aprendizado diário. Você está ali testemunhando a formação de um ser humano. Existe uma grande delicadeza na educação. Tem a ansiedade, o desejo, o medo, o ego, está tudo se formando ali, na sua frente. É o desafio mais gratificante que já senti. Não é fácil, é preciso ter senso de humor. Vivida com amor, a paternidade melhora o ser humano que você tenta ser diariamente.

“Ser pai é uma mudança interna tão profunda que afeta tudo, das prioridades à forma de ver o mundo” Rodrigo Santoro, ator (Crédito:Divulgação)

Quando você está filmando no exterior e descobrem que você é brasileiro, qual é a reação? O que pensam do Brasil?
Isso tem variado ao longo dos anos. Alguns se empolgam, outros perguntam se é muito perigoso. Muitos que trabalharam no Brasil dizem que é um país lindo, mas que a desigualdade social os deixou incomodados.

Em 2006 você atuou na série “Lost”, que fez sucesso e virou cult. Qual é a diferença entre atuar em filmes e séries?
A diferença é estrutural. O filme tem duas horas, a série pode ter muitas temporadas. Na essência, estamos falando de personagens que se relacionam uns com os outros. Temos que tentar criar reflexões, divertir. A série proporciona ao personagem um arco maior, ele pode passar por mais coisas. Mas não tenho preferência, gosto é de uma boa história.

O próximo desafio é o Oscar?
Bate na madeira… O reconhecimento é muito legal, ainda mais quando você se arrisca de vez em quando. É um motor, mas atuo mesmo para me descobrir, para me conhecer, me expressar. Acima de tudo, sou ator para dialogar com as pessoas. Isso para mim é o mais importante.

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