O corporativismo falou mais alto. Um dia depois de Paulo Guedes, ministro da Economia, anunciar os primeiros esboços da reforma da Previdência que pretende tentar aprovar no Congresso, os ministros militares do novo governo associaram-se para estabelecer as Forças Armadas como exceção à nova regra. E foram além, exigindo também aumento salarial e novos privilégios, como auxílio-moradia. Caso vençam a queda de braço, abrirão um precedente perigoso com grande potencial de fazer ruir todo o esforço para arrumar o sistema previdenciário e coibir o déficit público.

BENEFÍCIOS Santos Cruz, secretário-geral
da Presidência. Abaixo, o almirante Barbosa Júnior (Crédito:DIDA SAMPAIO)

Como num jogo combinado, em momentos diversos da quarta-feira 9, integrantes da alta cúpula militar do novo governo manifestaram-se em favor da manutenção dos privilégios que os servidores públicos fardados têm hoje. Assim fizeram o vice-presidente general Hamilton Mourão, o general Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa, o general Carlos Alberto de Santos Cruz, secretário-geral da Presidência, e o almirante Ilques Barbosa Júnior, comandante da Marinha. “As peculiaridades da carreira militar exigem um regime diferenciado”, defendeu o ministro da Defesa. “Não temos Previdência, mas um sistema de proteção social para os militares”, emendou o comandante da Marinha. “O sistema deve ser diferenciado pela característica da profissão”, considerou o vice-presidente. “Militar é uma categoria muito marcante, de farda”, completou o secretário-geral, que ainda ousou defender o aumento do soldo dos militares: “Ou aumenta o salário, ou faz um auxílio-moradia.”

Enquanto a equipe de Paulo Guedes sugere que os trabalhadores brasileiros sem farda só venham a se aposentar com 65 anos se forem homens e 62 ou 63 anos se forem mulheres e que passem a complementar o que já descontam com uma poupança própria, os militares continuariam se aposentando com 30 anos de serviço, sem idade mínima, o que permitiria a um soldado que ingressou na força com 18 anos estar aposentado com menos de 50 anos. Mais: enquanto um trabalhador da iniciativa privada consegue no máximo uma aposentadoria de menos de R$ 6 mil, os militares se aposentam com seu salário integral. Até recentemente, as filhas de militares mortos herdavam aposentadoria integral e vitalícia. O privilégio felizmente foi extinto para novos egressos na carreira. Mas até 2060 ainda existirão filhas de militares com direito à pensão.

Os números comprovam que deixar os militares de fora do sacrifício dificultaria ainda mais o esforço para contornar o déficit da Previdência. Enquanto se projeta para todo o regime geral de Previdência um déficit de R$ 218 bilhões em 2019, o rombo provocado somente pelos militares será de R$ 43,4 bilhões. A turma da farda contribui com R$ 3,3 bilhões para pagar uma conta que consome R$ 46,6 bilhões aos cofres públicos. São de longe os aposentados mais caros do país. Em média, cada militar aposentado custa nada menos que R$ 13,7 mil. Um servidor civil aposentado custa em média R$ 9 mil. Um trabalhador aposentado pelo INSS, em média R$ 1,8 mil.

Melhor que nos EUA

Entre os privilégios para os militares inclui-se a possibilidade de aposentadoria somente por tempo de serviço, quando os demais trabalhadores precisam ter idade mínima. De acordo com um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), mais da metade dos militares, 55%, se aposentaram com idades entre 45 anos e 49 anos. No regime geral, apenas 6% dos aposentados está nessa faixa de idade. Os integrantes das Forças Armadas defendem essas diferenciações porque a categoria não tem direito de greve, horas extras, adicionais noturnos ou por periculosidade e porque não recolhem Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Além disso, precisam estar sempre de prontidão para colocar a vida em risco em defesa da pátria.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Ainda assim, o sistema de previdência militar brasileiro é um dos mais generosos do mundo. Nos Estados Unidos e na Inglaterra, países que enviam seus soldados com muito mais frequência para situações de combate, os militares aposentados após 30 anos de serviço recebem, respectivamente, 60% e 43% do salário que recebiam na ativa. O sistema americano, ao contrário do brasileiro, estimula que o soldado permaneça na ativa: cada ano de serviço corresponde a 2% do salário a mais no momento da aposentadoria. Na Inglaterra, estabelece-se para os militares a idade mínima de 65 anos.

A avaliação de integrantes da base aliada do governo ouvidos por ISTOÉ é de receio quanto às reais possibilidades de aprovação de uma reforma ampla desejada por Guedes. Nem bem começou o novo governo, e o poder de farda já está colocando suas manguinhas camufladas de fora.

O general Santos Cruz ainda ousa defender o aumento do soldo dos militares: “Ou aumenta o salário, ou faz um auxílio-moradia”, prega


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias