O governo democraticamente eleito do ex-capitão Jair Bolsonaro se apoia cada vez mais em militares ocupando pastas que costumavam ser de civis. Em janeiro, eles eram sete, agora são oito, com a chegada do general de divisão Floriano Peixoto para a Secretaria-Geral da Presidência, no lugar do demitido Gustavo Bebianno. Nem no governo de João Baptista Figueiredo, último da ditadura (1964-1985), a relevância dos militares foi tão grande. Dos 20 ministérios do general, sete (35%) foram ocupados por gente de ombros estrelados em seu primeiro ano de mandato, em 1979. Três em postos civis (Minas e Energia, Interior e Casa Civil). Também é preciso lembrar que, naqueles tempos, havia quatro pastas para a caserna: Exército, Marinha, Aeronáutica e Casa Militar. Hoje está tudo unificado na Defesa. Mesmo assim, a média de ministros militares de Figueiredo foi um pouco menor que a do atual governo (36,4%). Para constar, no início do período Médici, o mais brutal da repressão, o índice de fardados foi de 33%, com seis ministros, incluindo os que cuidaram da Educação e dos Transportes.

A importância do núcleo militar do governo Bolsonaro está mais do que clara, mas há nuances. A mais perceptível é a relevância dos “haitianos”, apelido dos oficiais generais que participaram de missões de paz das Nações Unidas tanto na ilha caribenha quanto na Bósnia e na fronteira do Zaire com Uganda. Desses, o mais importante é o general da reserva Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), visto como conselheiro do presidente. Heleno comandou a Missão de Paz da ONU no Haiti entre 2004 e 2005. Na Secretaria de Governo está o general de divisão da reserva Carlos Alberto Santos Cruz. Ele comandou tropas da ONU no Haiti entre 2007 e 2009. Depois esteve no Zaire. Foi o único general brasileiro que comandou tropas em combate desde a Segunda Guerra Mundial. É Santos Cruz quem deve dialogar com o Congresso, partidos, governadores e prefeitos. Para ajudá-lo chegou Floriano Peixoto, que atuou na crise humanitária após o terremoto no Haiti. Todos têm a credibilidade de saber atuar sob pressão e sempre cumprir as ordens recebidas.

Desagrado com as confusões

A adesão dos militares ao projeto bolsonarista, porém, oferece riscos. Os principais são os desgastes e o fogo amigo. Há os que participam por afinidade ideológica ou vontade de fazer política, mas a qualquer abalo ou decepção podem vir a pedir baixa. Não foi à toa que, no ano passado, o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, salientou que sempre é preciso delimitar o que é governo e o que são as Forças Armadas. A declaração foi entendida como um recado sobre quais seriam as prioridades das turmas da reserva e da ativa em relação ao ex-capitão Bolsonaro. Para garantir lealdades, o presidente manteve os militares fora do projeto de reforma da Previdência enviado ao Congresso.

Mesmo assim, militares de dentro e de fora do governo não escondem o desagrado com a desarticulação das alas civis do governo e com as constantes intromissões dos filhos do presidente. Sobre isso, basta questionar quem está na reserva e não tem nada a esconder de ninguém. Nem a presença do vice-presidente, o general Hamilton Mourão, é garantia de ordem unida. Durante a licença médica de Bolsonaro, o vice acabou criticado pelos seus por causa de suas declarações afoitas. Que essa boa figura da caserna permaneça assim, para o bem da governabilidade e até da democracia.