Nas últimas semanas, o mundo tem experimentado uma anomalia climática. Na segunda-feira 23, o Japão registrou 41,1ºC, a maior temperatura de sua história. Desde o começo de julho, mais 70 pessoas morreram devido à onda de calor que atingiu o

“O aumento de 3ºC já está acontecendo, não há dúvida de que uma fração da riqueza global terá de ser utilizada para os países se protegerem” Paulo Artaxo, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (Crédito:Marcio Fernandes)

país. Os japoneses ainda lutam para se recuperar da destruição causada pelas chuvas do início do mês que causaram mais de 200 mortes. No Círculo Polar Ártico, as temperaturas atingiram picos de 30ºC e a Sibéria teve em junho uma média oito graus acima do normal. No Canadá, mais de 70 pessoas, a maioria idosos, morreram devido às temperaturas elevadas depois que uma a massa de ar quente dominou cidades acostumadas ao frio. O calor é dramático por provocar consequências desastrosas como racionamento de água, cortes de energia e, muitas vezes, incêndios florestais. A Suécia precisou pedir ajuda internacional para debelar mais de 50 focos de incêndios. Eventos extremos no clima são a resposta do planeta aos efeitos da contínua degradação provocada pelas atividades do homem — e confirmam que a Terra está mais quente a cada ano.

Em 1990, o primeiro relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU já previa os efeitos do aquecimento global. Quase 30 anos depois, elas parecem se concretizar. “Nós sabemos que as mudanças climáticas aumentam a frequência e a intensidade dos eventos climáticos extremos, além da linha de base da temperatura do planeta”, diz Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP e membro do IPCC. “O aumento de 3ºC já está acontecendo e não há dúvida de que uma fração da riqueza global terá de ser utilizada para os países se protegerem. Não é o fim do mundo, mas as próximas gerações terão um clima muito menos propício ao desenvolvimento”, diz ele.


As alterações no clima já são percebidas no Brasil. Diversas regiões enfrentam um inverno mais quente e seco, o que se refletiu em aumento no número de incêndios florestais. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que os focos de fogo em 2018 cresceram 52% em relação a 2017. Em abril, antes mesmo do período de seca ser considerado crítico, o Distrito Federal decretou estado de emergência ambiental por conta do risco de incêndios. As bacias hidrográficas do País também estão sofrendo com as alterações climáticas. Apenas no Nordeste, dos cerca de 521 reservatórios monitorados pela Agência Nacional de Águas (ANA), 214 estão abaixo de 30%, mesmo com as medidas de restrição de uso da água. Em São Paulo, o sistema Cantareira preocupa com o acúmulo de apenas 40,62% de sua capacidade – em julho no ano passado, ele possuía 63,89%. Menos água é sinônimo de menos desenvolvimento. Um estudo realizado pela ANA em parceria com a FGV analisou os impactos das mudanças climáticas na bacia do rio Piranhas-Açu, que vai da Paraíba ao Rio Grande do Norte. A pesquisa ainda não foi divulgada, mas ISTOÉ teve acesso exclusivo às conclusões: de junho de 2012 a junho de 2017, a crise hídrica que atingiu essa bacia causou R$ 3 bilhões em perdas econômicas. “É um valor expressivo que leva a um jargão comum no semi-árido: água cara é aquela que não se tem”, diz Sérgio Ayrimoraes, superintendente de Planejamento de Recursos Hídricos da ANA. “Precisamos de mais controle na demanda da água e mais investimentos em infraestrutura para aumentar a oferta. É uma soma de ações que vai nos preparar para as mudanças”.

CRISE HÍDRICA Reservatório do Sistema Cantareira, em São Paulo: risco de racionamento (Crédito:Nilton Cardin)

Os prejuízos causados pelo aumento do calor também estão afetando as produções agrícolas do País. Esse ano as perdas na safrinha de milho, que ocorre de janeiro a abril, chegaram a 10 milhões de toneladas, quase o dobro de 2017. Produções de

“O Brasil está muito vulnerável às ondas de calor e cada ano que passa são mais frequentes as temperaturas elevadas” Eduardo Assad, pesquisador da Embrapa e professor de mudanças climáticas da FGV (Crédito:Divulgação)

feijão, laranja e café também sofrem com as altas temperaturas, pois as plantas não conseguem produzir a flor e, consequentemente, o fruto. “Há mais de 20 anos estamos avisando e mostrando para todo mundo que a temperatura mínima está subindo”, diz Eduardo Assad, pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária e professor de mudanças climáticas no mestrado de agronegócios da FGV. “O Brasil está muito vulnerável às ondas de calor e cada ano que passa são mais frequentes as temperaturas elevadas. Os empresários do agronegócio estão preocupadíssimos”, diz ele, que defende, entre outras medidas, sistemas de manejo de solo e água mais adaptados e tolerantes a temperaturas elevadas e revegetação de áreas degradadas, principalmente no sul do Pará e na Bacia do Rio São Francisco. As dificuldades, no entanto, se encontram no Congresso. “A Embrapa investe dois terços do seu orçamento em soluções para o aquecimento global no Brasil e está sendo achincalhada por deputados e senadores da bancada ruralista que olham apenas para o seu próprio umbigo”, diz ele. Como pouco foi feito no passado, os desastres climáticos chegaram. Para que não sejam ainda maiores, o mundo precisa agir.