Em uma polarização inédita, a eleição presidencial de 2022 pode ser decidida pelas mãos de segmentos historicamente negligenciados pela política nacional: as mulheres e os jovens. Esses grupos, que, segundo estudos, foram os mais afetados pela pandemia, dos aspectos econômicos aos de saúde mental, tiveram um crescimento numérico significativo entre os brasileiros aptos a votar. Não à toa, o presidente Jair Bolsonaro moldou estratégias para crescer nos dois núcleos, que lhe impõem os maiores índices de rejeição na campanha, e Lula busca manter a fidelidade dos que, por ora, o escolhem.

Seguindo uma tendência iniciada em 2002 e apesar de atuarem em minoria em espaços de poder, as mulheres são maioria no eleitorado — elas representam 53% dos brasileiros com o título de eleitor em situação regular e, consequentemente, um nicho com um potencial de 82,3 milhões de votos. O segmento significa uma dor de cabeça para Bolsonaro porque, nele, Lula está quase 20 pontos percentuais à frente.

O baixo rendimento do presidente no grupo, dizem especialistas, é reflexo não apenas de declarações misóginas do capitão, mas também da má gestão da pandemia, do quadro caótico da economia e de uma postura que escanteou as necessidades da população feminina. As mudanças implementadas no Auxílio Brasil, uma versão repaginada do Bolsa Família, por exemplo, são classificadas como equívocos. É que, no programa da era PT, o valor do benefício repassado a cada casa era definido com base na composição familiar, enquanto na versão bolsonarista todos recebem o mesmo recurso — das mães solo com cinco filhos aos homens que vivem sozinhos. Para especialistas, os que mais precisam, portanto, acabaram prejudicados.

A redução do financiamento de políticas especificamente voltadas ao público feminino, pontuam especialistas, piora o quadro.“O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos é campeão nos retrocessos, com queda de 46% de investimentos. Além disso, lamentavelmente, neste ano ainda tivemos a marca histórica da pior verba na era Bolsonaro para combate à violência contra mulher, conforme dados do Inesc”, explicou a advogada Maíra Recchia, especializada em Direitos da Mulher. “Quando há um corte expressivo no investimento de pautas relativas às mulheres, aliado a uma pandemia em que os casos de agressão doméstica explodiram, o resultado é estarrecedor: mais violência, mais degradação e mais desamparo”, emenda.

“O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos é campeão nos retrocessos, com queda de 46% de investimentos” Maíra Recchia, advogada (Crédito:Cesar Ogata)

O peso do voto dos jovens também deve ser inédito. Para 2022, 2,1 milhões de adolescentes de 16 e 17 anos optaram por tirar o título de eleitor e poderão ir às urnas, apesar de não serem obrigados. O número representa mais do que o dobro da quantidade de jovens aptos a votar em 2018 e quebrou uma sequência de queda no interesse deles nas eleições, inaugurada em 2010 — a alta é resultado de uma mobilização nas redes sociais, puxada por nomes de peso, como a cantora Anitta, que fazem campanha contra Bolsonaro.

a rejeição dos Jovens De acordo com pesquisas de opinião, Bolsonaro é o presidenciável com o maior nível de rejeição entre pessoas de 16 a 29 anos. Para o cientista político Adriano Oliveira dos Santos, o capitão peca ao não levar às ruas um discurso voltado à educação e falhou em não desenvolver políticas sociais.“Lula ainda lucra com programas grandes, como ProUni e Fies. Enquanto isso, as pesquisas qualitativas mostram que jovens crêem que Bolsonaro não lhes entregou oportunidades tanto para a entrada nas universidades quanto para o ingresso no mercado de trabalho”, explica o professor da Universidade Federal de Pernambuco.

Ciente do “gap” na campanha do capitão, Lula passou a apostar em agendas com estudantes. Na semana passada, em visita a Brasília, prometeu criar um Programa Emergencial de Inclusão e Reintegração Educacional para os jovens sem escola em diferentes graus educacionais. Além disso, assegurou que reforçará o orçamento de agências de fomento federais como CNPq, Finep e Capes. Bolsonaro, na outra ponta, deu enfoque à discussão da otimização da tecnologia e ampliou na campanha o destaque à implementação do 5G no País. As pesquisas mostram que a queda de braço vale o fôlego. Sem maioria entre mulheres e jovens, vencer as eleições é uma missão inglória.

Para reduzir a desvantagem do presidente entre o eleitorado feminino, o QG da campanha escalou Michelle Bolsonaro, uma figura “doce” e “gentil”, nas palavras de aliados do Planalto. Os estrategistas apontam que, segundo pesquisas, a população feminina está menos convicta do que os homens em relação aos próprios votos e pode mudar de lado. O papel da primeira-dama, assim, será reverberar a retórica de que, embora tenha deixado as políticas voltadas a mulheres naufragarem, Bolsonaro “compensou” com atos mais amplos, a exemplo da titulação de terras e da transposição do Rio São Francisco, que, segundo o governo, beneficiam, em maior parte, as mães solo e as chefes de família. Janja, a esposa de Lula, na outra ponta, rememora, sempre que pode, os desmandos do Executivo.