O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou a proibição de que entrevistas com Jair Bolsonaro (PL) sejam transmitidas ou publicadas nas redes sociais como parte das medidas cautelares impostas ao ex-presidente.
“A medida cautelar (…) inclui, obviamente, as transmissões, retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas em qualquer das plataformas das redes sociais de terceiros, não podendo o investigado se valer desses meios para burlar a medida, sob pena de imediata revogação e decretação da prisão“, escreveu o magistrado na segunda-feira, 21, quando Bolsonaro falaria ao site Metrópoles.
Horas após a decisão judicial, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) falou a jornalistas na saída da Câmara dos Deputados, onde se reuniu com aliados.
A declaração motivou uma nova intimação do magistrado, que determinou que os advogados de Bolsonaro expliquem, em até 24 horas, o descumprimento de medidas cautelares, sob risco de decretação de prisão.
As medidas contra Bolsonaro
Por ordem de Moraes, a Polícia Federal cumpriu na sexta-feira, 19, uma operação que colocou uma tornozeleira eletrônica no ex-presidente e apreendeu dinheiro em sua residência. Desde então, Bolsonaro está proibido de sair de casa entre 19h e 7h, conversar com embaixadores, diplomatas estrangeiros e outros réus e investigados pelo STF, e usar as redes sociais — mesmo nos perfis de terceiros, conforme a nova proibição.

Bolsonaro exibiu tornozeleira eletrônica no Congresso nesta segunda-feira, 21
A punição se origina no dia 10 de julho, quando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou taxas de 50% sobre todas as exportações brasileiras ao país e mencionou Bolsonaro na carta, dizendo que o aliado, réu por suposta tentativa de golpe de Estado, é vítima de “caça às bruxas” do Judiciário brasileiro.
A medida foi celebrada pelo deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que está nos EUA desde março para articular retaliações internacionais a Moraes e evitar que o pai seja punido. Sob o argumento de que os dois trabalharam pelas taxas e atentaram contra a soberania brasileira, Moraes impôs as cautelares.
Proibição sob análise
Com receio de ser preso, o ex-presidente desmarcou entrevistas. Enquanto governistas comemoraram a decisão de Moraes, apoiadores e aliados de Bolsonaro apontaram censura. Para avaliar a constitucionalidade da proibição, a IstoÉ ouviu dois advogados que atuam nas áreas do direito constitucional, penal e da liberdade de expressão.
— André Marsiglia, fundador do instituto L+ Speech and Press e conselheiro julgador do Conar (Conselho Nacional Autorregulamentação Publicitária)
— Frederico Crissiuma de Figueiredo, especialista em direito penal e advogado da Castelo Branco Advogados Associados
IstoÉ A proibição imposta a Bolsonaro tem base jurídica? Está justificada?
André Marsiglia Não se justifica, porque não há nenhuma relação causal entre a obstrução de Justiça, ou mesmo o risco de fuga, e a manifestação de um réu. Mesmo pessoas presas têm direito a se manifestar, a liberdade de expressão é garantida após a prisão.
Por essa garantia, é comum vermos jornalistas investigativos entrevistando, dentro da cadeia, faccionados, chefes de facção, traficantes, porque a liberdade de expressão remanesce no preso mesmo depois de encarcerado.
Frederico Crissiuma O inquérito instaurado [pelo Supremo] investiga a possível relação entre as sanções impostas pelos EUA ao Brasil e indícios de coordenação entre Jair, Eduardo Bolsonaro e outros suspeitos para provocá-las.
Por isso, foram decretadas medidas cautelares alternativas à prisão preventiva. A imposição delas, prevista no Código Penal e no Código de Processo Penal, visa evitar que os fatos que estão sendo investigados persistam. Neste contexto, está fundamentada a proibição, porque a reprodução das manifestações do ex-presidente serviria, na prática, para burlar a medida cautelar.

Jair Bolsonaro (PL) e Alexandre de Moraes, ministro do Supremo e responsável por proibição contra ex-presidente
IstoÉ A extensão às contas de terceiros interfere na liberdade de expressão do réu e, por se tratar de um ex-presidente, na própria atuação dos veículos de imprensa?
André Marsiglia O despacho de Moraes não deixa claro se é possível, por exemplo, que um jornal impresso publique uma entrevista [de Bolsonaro]. Agora, se esse jornal registra a entrevista por escrito e, depois, a reproduz nas redes sociais, mesmo sem anuência do ex-presidente, conforme a medida cautelar, ele poderá ser preso.
Eis a irregularidade: o ato de um terceiro não pode prejudicar o réu, assim como um ato do réu não pode prejudicar um terceiro — o que estaria configurado nesta hipótese.
Frederico Crissiuma Interfere [para o réu], porque é uma censura prévia, digamos assim. Mas não vejo configurada qualquer censura à atuação da imprensa, visto que a proibição se restringe à veiculação do conteúdos nas redes sociais. Bolsonaro pode conceder entrevistas, desde que elas não sejam reproduzidas nessas plataformas.
IstoÉ Há algum precedente desse tipo de proibição em casos similares?
André Marsiglia Há diversos precedentes no próprio processo que julga a suposta tentativa de golpe, como o de Filipe Martins [ex-assessor especial de Bolsonaro, que passou seis meses preso preventivamente], que também está proibido de conceder entrevistas. Os precedentes não conferem constitucionalidade à decisão, contudo.
Até porque há um caso mais antigo, de quando o presidente Lula (PT) estava na prisão [condenado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no âmbito da Operação Lava Jato, o petista teve as sentenças anuladas pelo STF em março de 2021], em que este mesmo tribunal o autorizou a conceder entrevistas, assegurando que impedimento configuraria um ato de censura. Esta proibição nunca foi um impedimento minimamente razoável.
Frederico Crissiuma Precedentes há, inúmeros. No chamado ‘inquérito das fake news‘, o mesmo Moraes bloqueou dezenas de contas no X [antigo Twitter], Instagram e outras plataformas digitais em razão de publicações que cometiam ou incitavam a prática de crimes. Essa medida foi aplicada nos casos de Rodrigo Constantino, Paulo Figueiredo Filho e outras figuras públicas envolvidas com a disseminação de conteúdos criminosos nas redes.