Logo após ganhar as prévias do PSDB, o governador João Doria viajou a Nova York para inaugurar o quarto escritório internacional de negócios do estado. Em 14 reuniões, mostrou intimidade com investidores, empresários e o prefeito eleito de Nova York, Eric Adams (por videoconferência). Em encontro, ele convidou o secretário-geral da ONU, o português António Guterres, a comparecer à inauguração do novo Museu do Ipiranga, em setembro, que marcará as comemorações do bicentenário da Independência em plena reta final da campanha eleitoral. Estava acompanhado de 26 empresários e três secretários, incluindo Henrique Meirelles, ex-banqueiro conhecido no circuito financeiro global.

ESFORÇO Lula é recebido por Emmanuel Macron, em Paris, e Bolsonaro (abaixo), isolado, dialoga com garçons no G20, em Roma (Crédito: Ricardo Stuckert)

O giro internacional não foi útil apenas para reforçar os laços internacionais, o que o governador faz de forma metódica e bem-sucedida desde 2019. Serviu como demonstração de prestígio e como forma de fortalecer a imagem pró-negócios da administração paulista. Esse dinamismo, comum no mundo corporativo, fez Doria lançar na China as sementes do acordo que trouxe a Coronavac ao País, uma de suas principais bandeiras. Em Nova York, Doria já pôde oferecer aos interlocutores, na prática, o projeto que pretende oferecer ao Brasil. Apresentou-o ao fundo BlackRock, o maior do mundo, que tem investimentos de US$ 9,5 trilhões, US$ 30 bilhões no Brasil. “Me disseram que poderiam ter, só no País, acima de US$ 70 bilhões. Não têm mais por absoluta falta de interlocução, seriedade e confiança no processo econômica e na liderança de Bolsonaro”, criticou Doria, ao citar o fiasco da diplomacia bolsonarista. “Essa é a triste realidade brasileira.”

Os líderes estrangeiros rendem boas fotos e ajudam a angariar votos. Doria não precisava dessa mãozinha para mostrar sua interlocução internacional. As missões no exterior, na verdade, deram mais musculatura à administração paulista, que, com isso, também se internacionalizou. Ao longo de três anos, segundo o governo de São Paulo, a geração de negócios internacionais soma US$ 4,25 bilhões com desestatizações, PPPs e concessões, além de investimentos diretos. Até 2024, a perspectiva é atrair outros US$ 6 bilhões.

Já Lula, que lidera as sondagens, realizou um giro pela Europa em novembro. Com isso, tenta resgatar sua imagem de estadista. A ideia foi tentar mostrar que os governantes internacionais ainda o tratam como o grande líder do País. Descolou photo opportunities com o premiê espanhol Pedro Sánchez, de esquerda, e com o novo chanceler alemão Olaf Scholz, que levou a social-democracia de volta ao poder. Na França, Lula também conseguiu um estratégico encontro com o presidente Emmanuel Macron. Nesse caso, pode se tratar de um cálculo de política doméstica do francês, que disputará uma apertada eleição presidencial, e pode ter desejado se aproximar de um líder admirado pelos socialistas.

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Lula e a esquerda

Na Argentina, o plano de Lula era receber nesta sexta-feira, 10, um prêmio do presidente peronista Alberto Fernández pela sua luta “contra o abuso da Justiça”. O giro europeu também causou o maior tropeço do petista até agora nesse seu esforço de reabilitação. Em entrevista a jornalistas espanholas, ele defendeu a vitória do nicaraguense Daniel Ortega, e precisou ser lembrado por elas que o ditador se reelegeu prendendo os adversários. A estratégia petista inclui uma viagem para os EUA no começo do próximo ano. O sonho é que Lula se encontre com Joe Biden, mas o mais provável é que ocorra uma reunião com líderes do Partido Democrata. A ala esquerdista da legenda americana é próxima dos petistas, mas Biden preza o caráter centrista e moderado da sua gestão. E foi o vice de Barack Obama, o ex-presidente que já se arrependeu de ter chamado Lula de “o cara” antes dos processos e da prisão em Curitiba. O americano até gostaria de prestigiar um desafeto de Bolsonaro, mas há dúvidas se o governo dos EUA deveria se imiscuir nas eleições brasileiras dessa forma. E há ainda a questão das acusações de corrupção que envolvem o PT. Investidores americanos processaram a Petrobras por conta dos escândalos revelados pela Lava Jato.

O pré-candidato em mais desvantagem em sua vitrine externa é, paradoxalmente, o próprio presidente. Bolsonaro apostou todas as fichas em Donald Trump e sua rede de direita, e se viu órfão depois da derrota do republicano. O brasileiro instituiu uma esdrúxula antiplomacia que o afastou dos líderes mundiais. É um corpo estranho no circuito internacional, como seu recente encontro no G20, na Itália, mostrou. Não tem diálogo com seus pares nem em encontros formais, onde é flagrado puxando papo com constrangidos garçons. Sua mais recente viagem a Nova York, para reafirmar seu negacionismo na ONU, foi pobre em encontros bilaterais e rica em confraternizações da própria comitiva, incluindo pizzadas na calçada. O chefe do Executivo se tornou um pária no exterior e dificilmente se beneficiará dessa fama para conquistar votos no próximo pleito. Como Sergio Moro e Ciro Gomes não têm vitrine internacional, a disputa na seara externa, em 2022, se dará entre Doria e Lula.