Falar dos 100 anos do Partido Comunista (PC) chinês é falar dos dois arquitetos da China moderna: Mao Tsé-Tung e Deng Xiaoping. Mao e Deng alcançaram a liderança suprema do PC chinês e mudaram o país, transformando uma sociedade rural e subdesenvolvida em um colosso pós-industrial. Mas a narrativa oficial do centenário do PC chinês ignorou vários políticos e fatos que fizeram parte da construção da China atual. Estrela das festas, o presidente Xi Jinping tem como meta transformar o gigante asiático em uma superpotência tecnológica, enquanto governa com mão de ferro.

MÃO DE FERRO Mao Tse-Tung e Xi Jinping(abaixo): regime chinês reconta o passado para fortalecer liderança atual do país (Crédito:Divulgação)

As referências do PC chinês tiveram como objetivo ligar o passado, representado por Mao e Deng, diretamente a Xi. Um político importante na construção da República Popular da China, Chu En-lai, foi completamente esquecido. “A tentativa do regime chinês é recontar o passado para tentar fortalecer a liderança atual do país, ou seja, Xi Jinping. O PC chinês tentou ocultar fatos como a Revolução Cultural, e também houve uma tentativa de introduzir o período de Mao de forma mais neutra”, avalia Victor Missiato, professor de história no Mackenzie em Brasília (DF).
Missiato diz que a era de Xi até agora pode ser definida como o avanço da tecnologia chinesa, algo mostrado no programa espacial do gigante asiático e na indústria 4.0, principalmente na Tecnologia da Informação.

Carlos Garcia Rawlins

Politicamente, porém, o sistema permanece fechado. “O presidente Xi realiza uma modernização da China, não uma democratização. A repressão está até mais forte em Hong Kong, Tibete e Xinjiang,”, afirma. Externamente, a China exercita até agora um “soft power” baseado na abertura de sucursais do Instituto Confúcio, através dos quais o ensinamento do idioma mandarim e da cultura chinesa são difundidos, inclusive no Brasil. Mas internamente o governo vigia os cidadãos, exercendo um controle particularmente férreo em Xinjiang e em Hong Kong. A ex-colônia britânica, que passou para o domínio chinês em 1997, viu suas liberdades ruírem. Em junho, o governo de Beijing fechou o último jornal impresso independente, o Daily Apple.

Historiadores como o britânico Eric Hobsbawn (marxista) estimam que os erros do “grande timoneiro” Mao Tse-tung levaram dezenas de milhões de pessoas à morte, no “Grande Salto Adiante” de 1958-61, quando o ditador forçou o país a se industrializar e coletivizou a agricultura. Influenciado por Leon Trotsky, Mao acreditava no conflito contínuo e na revolução sem fim. “Fundamentalmente, Mao era um adepto de que o conflito e a luta eram coisas essenciais não apenas na vida, mas para evitar que a sociedade chinesa caísse na fraqueza da harmonia e da permanência,” escreveu Hobsbawn no livro “A Era dos Extremos”.

Embora detestasse a cultura chinesa antiga, Mao lia Confúcio, uma das contradições da sua personalidade. O filósofo da Antiguidade foi reabilitado por Deng. Outro erro foi a Revolução Cultural, que durou dez anos a partir de 1966 e devastou a intelectualidade chinesa, com o expurgo de centenas de milhares de intelectuais do partido, além da destruição de parte do acervo artístico da China Imperial. Analistas dizem que Xi abandonou a política interna do seu antecessor Hu Jintao para centralizar mais poderes. Xi também aboliu o limite de dois mandatos presidenciais para cada presidente. Com 68 anos, ele governa desde 2013 e na teoria pode ficar indefinidamente no cargo. Mas o desafio ao poder de Xi pode partir de dentro do próprio PC chinês, como ensina a história do partido.