A incursão religiosa do pastor Silas Malafaia não está prevista em nenhum texto evangélico e nem tem inspiração divina. Desde que o cerco policial ao ex-presidente Jair Bolsonaro apertou, Malafaia vem conduzindo a Assembleia de Deus Vitória em Cristo por um caminho em que fanatismo e a política partidária se fundem para dar uma fachada cristã ao extremismo de direita que sonha em consolidar uma nova ordem no País.

Seu alvo preferencial é o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a quem tem se referido insistentemente usando um linguajar agressivo e chulo, num ritmo de provocações e ofensas às instituições que já levaram para a cadeia outros extremistas, como os ex-deputados Roberto Jefferson e Daniel Silveira.

No ato de Copacabana, no Rio, no dia 21 de abril, na segunda grande manifestação em que assumiu a condição de porta-voz de Bolsonaro, partiu para os ataques, chamando Moraes de “ditador de toga”, “censor da democracia” e de usar as prisões como modus operandi para impor medo e censurar adversários. Antes, já havia dito coisas piores, ao afirmar que o ministro tinha “as mãos sujas de sangue” pela morte, por mal súbito, de um dos presos pela tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023.

Malafaia organiza os eventos e arrecada o dinheiro que banca as mobilizações e faz o discurso agressivo que Bolsonaro, com medo de ser preso, terceiriza.

Os dois atos mais importantes do ano para a direita foram iniciativas de Malafaia, que estará ao lado do ex-presidente nas principais manifestações durante o período eleitoral.

Homem de sucesso nos negócios alavancados pela fé, Malafaia já votou no presidente Lula por duas vezes, em José Serra, em 2010, e sempre esteve ao lado de Leonel Brizola no Rio. Agora, opera uma conversão radical com um olho nos evangélicos que engrossam as fileiras da direita e outro no eleitorado bolsonarista.

“Se vai ser candidato não se sabe. Mas ele já está na política”, diz o jornalista Gilberto Nascimento, especializado em coberturas religiosas e autor do livro O Reino, biografia sobre o principal concorrente de Malafaia, o pastor Edir Macedo.

A retórica extremista ele já assimilou: distorce fatos e aplica os conceitos da democracia e liberdade dentro do estranho universo em que os culpados são as vítimas e não os extremistas que tentaram dar um golpe de Estado durante os dois meses seguintes à derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022.

O pastor dos golpistas: como Malafaia virou porta-voz do bolsonarismo
Bolsonaro usa Michelle para terceirizar o uso político dos evangélicos, ferindo a autonomia das igrejas e desrespeitando a fé (Crédito:Buda Mendes)

Política do ódio

O deputado Henrique Vieira (PSOL-RJ), pastor da Igreja Batista do Caminho, alerta que o discurso de Malafaia é de ódio, a retórica de um fanatismo fundamentalista, e sua pretensão é o uso da religião na política como ferramenta de controle. Uma visão espiritual equivocada, em que um Deus que deveria estar no meio dos povos é personificado num Bolsonaro que se coloca “acima de tudo”, Vieira não tem dúvidas sobre os planos. “Malafaia quer ser o representante político do extremismo cristão. Ele tem uma visão fundamentalista da religião e da sociedade.”

É uma ideia esquisita, segundo o deputado, em que Bolsonaro é o Messias ungido por Deus para governar o Brasil. Como nessa visão o Brasil é de Jesus, quem não concorda está contra Deus e deve ser afastado do caminho. “Vão atacar tudo e todos que não sejam iguais a eles e vão fazer isso em nome de Deus.”

• Os pentecostais representam uma poderosa força no Congresso, com 233 filiados à Frente Parlamentar Evangélica (207 na Câmara, dos quais 92 foram eleitos pelas igrejas, e 26 no Senado), dirigida até 2023 pelo deputado e pastor Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), eleito junto com a chapa de Arthur Lira como 2º vice-presidente da Câmara dos Deputados.
Cavalcante é o único afilhado político de Malafaia que, se antes não mostrou apetite pelo poder, ao colar em Bolsonaro, agora quer ter uma bancada no Congresso e, quem sabe, enfileirar-se entre os preferidos do “mito” como o mais terrível dos evangélicos.

Henrique Vieira diz que Malafaia elegeu Bolsonaro como ídolo e, com isso, partidariza o púlpito, dividindo famílias e criando um ambiente de vigilância ideológica e perseguição política nas igrejas. “Ele não tem peso nem credibilidade para falar em nome da diversidade cristã, mas organiza e representa cada vez mais o setor radicalizado, sectário, que tem inegável força à direita. Ele tem uma visão fundamentalista da religião e da sociedade e atua numa dimensão egocêntrica impressionante, personalista, com sede de poder e desejo de reconhecimento contínuo”.

O estilo do porta-voz do bolsonarismo, também encarnado pela ex-primeira-dama Michelle, segundo o deputado, também compromete a religião, fere a autonomia da igreja e desrespeita a liberdade de consciência e de fé. “Malafaia também vai perdendo o diálogo com pessoas de linha mais moderadas e conservadoras, que não querem a bolsonarização da igreja.”

Para especialistas, Malafaia já “cruzou o Rubicão” e é um potencial alvo a ser incluído nas investigações sobre os atos antidemocráticos.

Ainda assim, ousado, desafiou o STF a prendê-lo e, num dos palanques que organizou, chegou a afirmar, olho no olho em Bolsonaro, que “se eles te prenderem não vai ser pra sua destruição, mas para a destruição deles. Você vai sair de lá exaltado”.