Você, certamente, já foi a uma casa de pastéis. Cabe o mundo dentro de um pastel. Na gastronomia, orna com (quase) tudo. A língua portuguesa justifica a fama. Em toda sua vastidão de possibilidades, permite enquadrar o substantivo em categorias gramaticais diversas. Daí emergem a cor pastel, quando pálida, as letras empasteladas, em desordem tipográfica, a cara de pastel, para designar pessoas sem atitude, e por aí vai. Machado de Assis, em Ernesto de Tal (Histórias da Meia-Noite), comparava o pastel a um coração: “Debaixo do invólucro da leviandade, a nata do amor”. Machado, sabe-se, é daqueles escritores que exercem o ofício de fraque, mas não escapou incólume aos críticos. Quando publicadas, as “Memórias Póstumas de Brás Cubas” foram equiparadas a um “bolorento pastel literário”. Hoje o insulto soaria como heresia, por óbvio.

A sétima arte já se rendeu ao quitute. Recentemente, o premiado filme “Uma pastelaria em Tóquio” encantou o público pela sensibilidade da cineasta japonesa Naomi Kawase, ao retratar a relação que floresce entre uma idosa, de 70 anos, e um carrancudo pasteleiro de dorayakis. “As cenas na pastelaria são belíssimas e cativantes. A sobriedade da cineasta é saborosa”, sapecou Le Nouvel Observateur, a semanal francesa.

Como se nota, o pastel é preenchido de apelo popular. Talvez por isso, não raro, candidatos a ocupar a cadeira presidencial recorram ao consumo da iguaria para tentar demonstrar intimidade com o povão. É um mastigar para lá, tirar um naco para cá. Inadvertidamente, um pedacinho esfarela e vai morar no dente do incauto até ser desalojado, ante um alerta amigo. Às favas o inconveniente. Na verdade, é bem conveniente. O importante é exibir aos holofotes a deglutição daquela massaroca de farinha de trigo, povoada de sabor ou não. Em 2002, em Vespasiano, Minas Gerais, um candidato de Tal parou numa pastelaria com a mulher. Enquanto o marido experimentava o prato principal da casa, a esposa dava uma espanada nos fotógrafos que insistiam em se aproximar: “Vocês poderiam nos conceder um tempinho, pelo menos para ele comer. Têm certeza que mostrar isso é mesmo importante?”, perguntou ela. Jogo de cena — não da mulher, àquela altura ainda envolta na ilusão: tudo o que o glutão e aspirante ao Planalto queria mesmo era que a degustação fosse submetida à luz do sol.

Desejo inconfessável atendido, imagens registradas. Com a campanha já nas ruas, a temporada de visita às pastelarias recomeçou. A maioria das propostas para o País, no entanto, ainda é pastel de vento. Pensando bem, pastéis somos nós.

Machado de Assis, em Ernesto de Tal (Histórias da Meia-Noite), comparava o pastel a um coração: “Debaixo do invólucro da leviandade, a nata do amor”