Eram amigos desde a época da PUC, já vão uns bons 15 anos.

Se falam até hoje, pelo WhatsApp. Todos de esquerda.

– Esquerda não, centro-esquerda — sempre lembra o Luciano.

Luciano não quer ser confundido com petista.

Os outros não ligam. Acham que foi golpe.

– Depende. Pode ter sido sim. Mas impeachment faz parte do jogo político. — Luciano explica.

Na última eleição, o grupo se dividiu.

No primeiro turno teve quem votou no Ciro, na Marina e até no Boulos. Luciano votou no Alckmin.

Veio o segundo turno e o grupo se dividiu de novo.

Alguns votaram no Haddad, outros em branco. Luciano votou no Bolsonaro. Rolou um mal estar no WhatsApp.

Cassio: “Como assim Luciano???? Alckmin no primeiro e Bolsonaro no segundo? Qual é a lógica?”

Luciano: “Ah…vocês sabem, eu sempre fui centro-esquerda, mas PT não dá mais!”

Marcio: “E Bolsonaro dá, Luciano? Um fascista, pô!”

Luciano: “Calma lá! Fascista é outra coisa. Vamos respeitar o voto de cada um!”

Respeitaram. Eram democratas. Afinal, voto é decisão íntima e sagrada.

Veio a escolha do Moro.

Rodrigo: “Viram essa? O Bozo botou o Moro na Justiça!”

Marcio: “Sério? Eu sabia! Dois canalhas!”

Cassio: “Passou recibo o juizão, hein?”

Luciano: “Bom, pelo menos o Moro é do ramo, né gente?”

Silêncio.

Começaram a trocar mensagens fora do grupo.

Não entendiam o que estava acontecendo com o Luciano.

Aldo: “Nunca me enganou. Direitão safado.”

Rodrigo: “Mas ele votou na Dilma. Duas vezes!”

Aldo: “Você tava na cabine? Tava? Eu não tava.”

Quando Bolsonaro twitou sobre o golden shower, o grupo veio abaixo.

Menos ele.

Luciano: “Eu também nunca tinha ouvido essa expressão…”

Marcio: “Ah, faz favor Luciano. Que mundo você vive?”

Na reunião com o Trump, quando Bolsonaro levou o filho, a indignação foi geral.

Cassio: “Esse infeliz nem tem cargo no governo, tá fazendo o que lá?

Luciano: “É filho, gente. Pai que tem orgulho do filho pode dar essas escorregadas.”

Ninguém tem certeza, mas parece que foi o Rodrigo que inventou o apelido.

Rodrigo: “Falou, esse é o nosso Luciano Passapano, kkkk”.

Luciano não conseguiu responder. Passapano? Justo ele que sempre foi centro-esquerda convicto?

A coisa só piorou, porque apelido é que nem vírus, espalha sem a gente saber como. Aos poucos, todo mundo começou a chamar o Luciano pelo apelido cruel. Até o Waldemar, chapeiro da padaria:

– Vai um pão na chapa, seu Passapano?

Na quarentena, toda vez que se reunia com o pessoal do trabalho era a mesma coisa. Virou Dr. Passapano.

Foi pedir ajuda para a mulher, sempre muito amiga:

– Amor, a culpa é sua. Enquanto você ficar aliviando para o Bolsonaro, todo mundo vai te chamar de Passapano — e não conseguiu conter o riso.

– Tá vendo. Até você!

– É que é engraçado, amor. Faz assim: começa a meter o pau nele. Mesmo que você concorde com as coisas que ele diz. Sinceridade demais atrapalha! Luciano concordou.

Decidido, entrou no WhatsApp bem quando os amigos falavam do presidente fazendo propaganda da hidroxicloroquina.

Aldo: “Também…com a doação do Trump ele tá com cloroquina pelas tampas!”.

Cassio: “Vai receitar cloroquina até para caspa, hahahaha”.

Rodrigo: “Chegamos lá. Temos um presidente garoto-propaganda”.

Luciano chegou a escrever, “bem feito pro Bozo, agora vai ver o que é gripinha!”. Mas na hora de enviar, não conseguiu.

Foi nos ajustes do WhatsApp, mudou o nome e, um minuto depois, enviou sua resposta.

Passapano: “Tem um estudo no Kenia que diz que a cloroquina funciona se for usada no começo dos sintomas” Ninguém respondeu. Mas por fora do grupo, Rodrigo escreveu.

Rodrigo: “É…melhor um Passapano assumido do que um Luciano no armário”.

Concordaram.